quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

O QUE É A SOCIOLOGIA?


PRIMEIRAS LIÇÕES DE SOCIOLOGIA
por: Philippe Riutort


tradução de: Eduardo de Freitas
Nº de páginas 140
Ano de edição 1999
ISBN: 972-662-692-7
Editora Gradiva
O QUE É A SOCIOLOGIA?


A perspectiva da sociologia
Como se pode ser sociólogo?
A sociologia enquanto disciplina científica teve o seu aparecimento no decurso do século XIX. É precedida por múltiplos saberes saídos de diversas correntes do pensamento que procuram explicações e sobretudo «remédios» para os «problemas» ligados às transformações sociais de grande amplitude que atingiram as sociedades europeias a partir do fim do século XVIII. A emergência de «questões sociais» de um novo género gera assim o nascimento da sociologia, que, progressivamente, ao emancipar-se da filosofia social, formula as suas próprias interrogações de alcance científico, com a ajuda de princípios enunciados desde o fim do século passado pelos seus «pais fundadores».


I. A emergência da sociologia no século XIX

1. A sociologia surge enquanto disciplina científica no decurso do século XIX.
O século XIX é marcado na Europa por profundas mutações. As transformações políticas inscrevem-se no prolongamento da Revolução Francesa. O afundamento do Antigo Regime conduz a que fique em causa a ordem tradicional, fundada na monarquia absoluta, a divisão da sociedade em ordens, assim como o lugar central concedido à religião na vida social. A Revolução Francesa, ao proclamar a igualdade jurídica entre os cidadãos, põe em questão os fundamentos da ordem política. Esta não procede daí em diante da vontade do príncipe, posto que o absolutismo é recusado em nome da proclamação de novos princípios, tais como a liberdade, a razão, o progresso ... As transformações económicas e sociais estão ligadas à revolução industrial, que, do fim do século XVIII ao princípio do século XIX, com origem na Grã-Bretanha, ganha progressivamente os outros países europeus e, seguidamente, os Estados Unidos e o Japão. Caracteriza-se pela passagem de uma sociedade rural a uma sociedade urbana, o que arrasta uma profunda mudança das estruturas sociais existentes (desaparecimento progressivo, por exemplo, das solidariedades camponesas fundadas num conjunto de tradições e de práticas de sociabilidade tais como as festas populares, os ritos de passagem ...). O sociólogo alemão Ferdinand Tönnies (1855-1936) sublinha, em 1887, a oposição entre dois tipos de organização social: a comunidade e a sociedade. A primeira, dominada pelos vínculos tradicionais, a afectividade e o espírito de grupo, apoia-se principalmente na família e nas solidariedades locais, enquanto a segunda, que assenta mais no interesse individual, no cálculo e nas relações impessoais, tende a impor-se no seio da sociedade industrial.
Em paralelo, a revolução agrícola realizada no decurso do século xviii permite progressivamente às actividades industriais beneficiar de um afluxo de mão-de-obra. O desenvolvimento da indústia acompanha-se, com efeito, de uma urbanização maciça que provém sobretudo do êxodo rural. A organização da sociedade encontra-se então profundamente transformada, o que modifica sensivelmente os «equilíbrios» estabelecidos entre grupos sociais: assiste-se, assim, no decurso do processo de urbanização, à formação da classe operária, ao crecimento contínuo da burguesia, assim como ao declínio relativo da nobreza.
Os principais sociólogos do século XIX interrogam--se sobre a amplitude das transformações das sociedades europeias que se desenrolam sob os seus olhos no momento em que concebem as suas obras. O pensamento de três figuras centrais da sociologia do século XIX e do início do século XX estão profundamente impregnados disso mesmo.
Émile Durkheim (1858-1917), fundador da escola francesa de sociologia, preocupado com os fundamentos da coesão social e da sua evolução, estuda assim a passagem da solidariedade mecânica, fundada na similitude, característica das sociedades tradicionais, à solidariedade orgânica, fundada na complementaridade e produzida pelo processo de divisão do trabalho, que se afirma na sociedade industrial.
Karl Marx (1818-1883), militante revolucionário, filósofo, economista, mas igualmente sociólogo, ao tornar-se o teórico de um socialismo que anuncia como científico, interessa-se pelo processo de desenvolvimento capitalista e tenta revelar as suas contradições internas, insistindo particularmente nas oposições de classe, segundo ele, inelutáveis no seio da sociedade capitalista e que prefiguram o advento de uma sociedade sem classes: a sociedade comunista.
Max Weber (1864-1920), um dos primeiros e dos principais sociólogos alemães, abre o caminho à sociologia comparativa ao interrogar-se sobre as particularidades da civilização ocidental, caracterizada, segundo ele, por um processo de racionalização ou, segundo a sua célebre fórmula, de «desencantamento do mundo», que é traduzido pelo recurso crescente à previsão e ao cálculo, assim como ao abandono progressivo dos impulos mágicos no conjunto dos domínios da vida social: da ciência à arte, passando pela religião, pelo poder político e pela economia.
Se as obras dos principais sociólogos do século XIX e do início do século XX dão testemunho das preocupações sociais do seu tempo, elas sustentam-se igualmente num saber prévio, que se prende já ao desencadear de conhecimentos, a partir de uma observação minuciosa da sociedade.


2. Um saber sobre a sociedade anterior à sociologia
A sociologia nascente enquanto disciplina constituída não poderia emergir dos cérebros de alguns «inventores». Todo um conjunto de interrogações precedem ou acompanham o seu aparecimento. O exercício que consiste em determinar com precisão as origens da sociologia parece vão, posto que reverteria, ao lançar-se numa pesquisa interminável, em fazer surgir o seu aparecimento num passado sempre mais longínquo («Há em germe um pensamento sociológico em Platão?», com os riscos de anacronismo que esta questão recobre). É no entanto útil insistir sobre diferentes questionamentos, a maior parte anteriores à afirmação da disciplina sociológica e que, embora distintos em numerosos pontos, partilham o desejo da descoberta de princípios que regem a organização da vida em socie- dade.
• Vários autores tradicionalistas, do escritor britânico Edmund Burke (1729-1797) aos autores franceses Joseph de Maistre (1753-1821) e Louis de Bonald (1754-1840), criticam o individualismo proclamado pela Revolução Francesa, que é tido por uma pura abstracção vazia de sentido, visto que, segundo eles, a sociedade não poderia proceder apenas da razão, insensível às redes de relações concretas que encerram o indivíduo numa comunidade de pertença. A corrente tradicionalista interessa à sociologia, pois vai dar lugar, a partir de uma visão critíca — simultaneamente da Revolução Francesa e da industrialização —, a vastos inquéritos: a obra de Frédéric Le Play (1806-1882), que foi engenheiro e senador sob o Segundo Império (1867), em particular Os Operários Europeus (1885), caracteriza-se por uma viva preocupação de descrição das condições de vida dos meios populares e desemboca na realização de monografias1.

Trata-se, praticando-se a observação directa, de reunir um grande número de factos que dão conta das condições de existência da vida operária. O trabalho de Le Play, apoiando-se em amplos inquéritos no terreno, abre a porta ao método etnográfico, que visa a recolha de um conjunto de informações sobre uma dada população e permite realizar comparações no tempo e no espaço. Esta perspectiva não é todavia redutível à sua dimensão qualitativa, posto que tenta igualmente quantificar os dados recolhidos: Le Play procura, com efeito, por meio dos seus inquéritos, estabelecer um instrumento de medida objectivo, como o orçamento familiar, que ele utiliza como indicador do modo de vida operário e das suas transformações. A obra de Le Play permanece no entanto essencialmente preocupada com um projecto global de Reforma Social, em conformidade com o título da sua obra surgida em 1864, que preconiza o reforço das estruturas familiares, particularmente da família alargada (que reúne sob o mesmo tecto o pai, a mãe, o rapaz herdeiro, a sua mulher, os seus filhos e os outros parentes celibatários), e promove o paternalismo (a colaboração entre patrões e operários), assim como o respeito absoluto pela propriedade privada.
• A «questão social» que designava no século XIX o conjunto de problemas ligados ao aparecimento do mundo operário dá lugar a uma corrente crítica da industrialização, o «socialismo utópico», encarnado em França por Claude-Henri de Saint-Simon (1760-1825), Charles Fourier (1772-1837) e Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865). Preocupa igualmente as camadas dirigentes: a concentração de uma população miserável nas cidades desencadeia os medos relacionados com a promiscuidade. Numerosos estudos são assim realizados pelos poderes públicos e pelas sociedades científicas a fim de circunscrever essa população «com problemas»: um dos inquéritos mais importantes foi conduzido pelo Dr. Villermé, que, no Quadro do Estado Físico e Moral dos Operários Empregados nas Manufacturas de Algodão, de Lã e de Seda (1840), traça um retrato sem complacência da condição operária.
• A sociologia nascente é igualmente influenciada por uma outra tradição que se inscreve no racionalismo saído das Luzes: concretiza-se a partir da observação de Montesquieu (1869-1755), que, no Espírito das Leis (1748), proclama não ter retirado os seus princípios dos seus preconceitos, mas da natureza das coisas, desejando consagrar-se «ao que é, e não ao que deve ser», assim como dos trabalhos de Condorcet (1743-1794), que, no seu Esboço de Um Quadro Histórico dos Progressos do Espírito Humano (1793) introduz a «matemática social», isto é, a elaboração de leis científicas fundadas na observação das regularidades estatísticas. Os progressos realizados, a partir do início da século XIX, pela estatística, primitivamente encarregue, em nome do estado, da demografia (o recenseamento da população), permitem-lhe ganhar novos domínios. Tomando a designação de «estatística moral», estende-se tanto à economia, a fim de avaliar os recursos potenciais do estado, como às questões judiciárias: a estatística judiciária conhece assim um desenvolvimento fulgurante em França com a implantação, a partir de 1827, da Contabilidade Geral da Administração da Justiça e com os trabalhos de Gabriel Tarde (1843-1904). O matemático, astrónomo e estatístico belga Adolphe Quetelet (1796-1874) tenta igualmente analisar o que designa como «propensão para o crime» e sua distribuição na sociedade com a ajuda de séries estatísticas destinadas a medir-lhe a permanência.
Na encruzilhada destas diferentes tradições emerge a corrente positivista, que se caracteriza, segundo os termos do seu principal representante, Auguste Comte (1798-1857), por uma recusa do «espírito metafísico». Para o positivismo, com efeito, nenhum conhecimento pode proceder a não ser da observação e da experiência. Comte, que foi o inventor do termo «sociologia», fala igualmente de «física social» para designar o estudo «científico» do mundo social, posto que, confiando nos progressos da ciência, entende que a sociologia pode atingir num futuro próximo o rigor das «ciências da natureza». Enuncia assim a lei dos três estados, segundo a qual o desenvolvimento da humanidade passaria por três fases sucessivas.
O estado teológico é dominado pelo sobrenatural e corresponde historicamente à Idade Média.
O estado metafísico está marcado pelo aparecimento de princípios abstractos que enunciam uma ideia geral do homem e triunfam sob a Revolução francesa.
O estado positivo corresponde à fase de maturidade caracterizada, aquando do aparecimento da sociedade industrial, pela descoberta, graças à observação científica, dos princípios organizadores da sociedade.
Se o pensamento de Comte, profundamente evolucionista (a humanidade é suposta evoluir por etapas, cada uma das quais constituiria um progresso relativamente à precedente), foi criticado neste ponto, a sua preocupação em dotar a sociologia de bases científicas constitui um contributo considerável, tendo sido notável a sua influência sobre a sociologia francesa nascente e em particular sobre Émile Durkheim.

3 comentários:

Linda Simões disse...

Olá Victor!

Parabéns pelo blog!Sou professora de Sociologia e Filosofia no ensino médio e este blog é super interessante.Belo trabalho.


Feliz Natal!

victor simoes disse...

Olá Linda, muito obrigado, está a ser simpática. Estou a pensar desenvolver e tornar mais interessante este blogue.
Se me permite, dado que pensei em tornar este blogue colectivo, gostaria de a convidar a fazer parte da futura equipa.
Caso, tenha disponibilidade para colaborar, poderá confirmar para o meu e-mail.

victorvalesimoes@gmail.com

Cump. de Portugal, até ao Brasil.

Linda Simões disse...

Que 2009 seja FELIZ!


Um Abraço de além-mar!!!

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