sexta-feira, 1 de maio de 2009

CiberSexualidades

Alguns indivíduos desejam sujeitar ou reprimir fisicamente outros indivíduos para a sua própria excitação sexual ou para a excitação dos seus parceiros. Reciprocamente, outros indivíduos desejam ser fisicamente sujeitados ou reprimidos para a sua própria excitação sexual ou para a excitação dos seus parceiros. O conjunto destes desejos é chamado sexual bondage ou submissão sexual: o uso de dispositivos ou materiais fisicamente repressores no comportamento sexual que têm significação sexual pelo menos para um dos parceiros. O comportamento autocrático também pode incluir elementos de sexual bondage. Antes do advento da Internet, os indivíduos que praticavam estas práticas sexuais formavam "clubes" e "friendship networks" e algumas destas sociedades publicavam "newsletters" e magazines contendo informação, artigos típicos e anúncios pessoais. No momento presente, a Internet Sexual facilita estes contactos entre indivíduos de todo o mundo interessados na sexual bondage, bem como outras variantes de comportamento sexual relacionadas. Na linguagem da subcultura bondage, a sexual bondage é frequentemente chamada B & D (Bondage and Discipline), sendo distinguida da D & S (Dominance and Submission) e da S & M (Sadomasochism). Diversos estudos mostram que a sexual bondage pode coexistir com outras variantes do comportamento sexual, tais como sadomasoquismo (Spengler, 1977), travestismo (Blanchard & Heecker, 1991), asfixia auto-erótica (Blanchard & Heecker, 1991; Innala & Ernulf, 1989) e homossexualidade (Townsend, 1983).
Em termos muito gerais, podemos dizer que D & S é usado frequentemente como um quadro-geral que inclui os outros termos, bem como um conjunto de outras variantes sexuais, tais como fetichismo e travestismo, quando os comportamentos sexuais implicam a troca ou mudança de poder (exchange of power). No seu sentido restrito, B & D refere-se ao uso no comportamento sexual de materiais ou dispositivos fisicamente restritivos, ou à utilização de ordens (commands) psicologicamente restritivas. Estas ordens podem impor obediência, servidão ou escravidão, sem induzir dor física. Também pode envolver alguma punição física, a qual é distinta da sadomasoquismo, porque a punição não é imposta para induzir dor física, mas como expressão de disciplina sexual psicológica. S & M refere-se aos comportamentos sexuais que incluem imposição e/ou recepção de dor física ou psicológica. A sujeição sexual faz parte integrante da Bondage and Discipline. A disciplina significa neste quadro limitações psicológicas, tais como controle, tratamento e punição não-física. Os indivíduos podem controlar os parceiros, ordenando-lhes a realização ou não de determinados comportamentos sexuais, ou podem pedir-lhes para realizar comportamentos não-sexuais erotizados. Tais comportamentos podem incluir "corridas errantes", limpar a casa ou vestir de uma maneira especial. A recompensa ou a punição são dadas em função do modo como estes comportamentos são executados ou desempenhados.
Com o advento do "politicamente correcto", a investigação destes comportamentos sexuais declinou, embora tenham sido realizados alguns estudos com amostras não-clínicas para compreender melhor a B & D, bem como com modelos patologicamente orientados. Scott (1983) relatou que alguns homens apreciadores de sexual bondage recordaram que tinham tido previamente fantasias submissas ou que tinham gozado quando, em crianças, foram capturados ou amarrados no decurso dos jogos "Cowboys and Indians". Porém, outros homens só descobriram o seu lado submisso já no decorrer da vida adulta, obtendo grande gratificação sexual com a realização de tais comportamentos. Alguns destes homens ainda recordavam a primeira excitação submissa que experimentaram quando um amante os amarrou por brincadeira. Heilbreen & Seif (1988) estudaram 54 homens com idade universitária, submetendo-os à visão de gravuras eróticas de mulheres a praticar bondage que exibiam angústia física. Estes homens achavam estas gravuras mais sexualmente estimulantes do que as gravuras onde as mulheres manifestavam afecto positivo. Zillman & Bryant (1986) estudaram homens e mulheres, estudantes e não-estudantes, sujeitos à exposição contínua de pornografia não-violenta disponível no mercado. A pornografia expunha exclusivamente cenas de comportamento heterossexual consentido entre adultos. Os resultados mostraram que havia maior interesse na pornografia que expunha menos frequentemente actividades sexuais, como por exemplo a sexual bondage. Scott (1983) observou que as mulheres que tinham interesse em B & D não relatavam fantasias sexuais precoces, tal como sucedia com os homens. Muitas mulheres foram introduzidas na disciplina sexual durante uma relação emocional e não por considerarem inicialmente esta prática erótica. Das poucas mulheres que descobriram a disciplina sexual por sua própria iniciativa, a maior parte tinha geralmente backgrounds invulgares ou treino em psicologia ou em ciências sociais, que as levaram a ser mais abertas em relação à sexualidade ou a querer compreender melhor as formas invulgares de comportamento sexual.
As fantasias sexuais desempenham um papel nuclear, isto é, estruturante, na sexual bondage, já que os parceiros tendem geralmente a negociar um acordo prévio sobre os cenários de fantasia antes de agirem ou realizarem essas fantasias na prática. Eve & Renslow (1980) estudaram 72 homens e mulheres estudantes, com uma média de idade de 24 anos. 13% destes sujeitos relataram excitação sexual quando fantasiavam em ser amarrados ou limitados de alguma outra forma. Porém, as fantasias nem sempre são realizadas e, como mostrou Scott (983), algumas têm o seu maior efeito de excitação quando não são concretizadas. Winick (1985) estudou a B & D com base em magazines sexualmente explicitas, cujas gravuras exibem relações com papéis de poder desiguais. Os resultados mostraram que os homens eram dominantes em 71% dos casos, e submissos em 29% das situações. Crepault & Couture (1980) estudaram 94 homens que viveram com uma mulher durante pelo menos um ano. O conteúdo das suas fantasias sexuais ocorridas durante a actividade heterossexual centrava-se sobre três temas principais: confirmação do poder sexual, agressividade e fantasias masoquistas. Destes homens, 39% fantasiaram algumas vezes com uma "cena em que amarram uma mulher e a estimulam sexualmente", e 36% fantasiaram frequentemente com uma "cena em que eram amarrados e estimulados sexualmente por uma mulher".
Diversos estudos americanos e europeus demonstraram que os profissionais de colarinho-branco de determinados sectores das "elites do poder" (Janus et al., 1977), portanto, homens que ocupam posições dominantes na sociedade, recorrem regularmente ao serviço de prostitutas para os dominar. Isto significa que estes homens que ocupam posições dominantes na sociedade, tais como políticos ou empresários bem sucedidos, são homens submissos que, devido à dificuldade de encontrar mulheres heterossexuais dominantes (Baumeister, 1988; Weinrich, 1987), recorrem ao negócio emergente denominado «dominatrix»: mulheres dominadoras profissionais («dominatrices») que satisfazem as necessidades sexuais de homens submissos-receptivos, supostamente não-homossexuais (Scott, 1983). Quer sejam prostitutas ou não, estas mulheres dominadoras podem atar ou acorrentar os seus clientes de colarinho-branco, dar-lhes palmadas ou chicotadas, açoitá-los, dominá-los e humilhá-los. Muitas destas práticas são suficientes para satisfazer as necessidades dos seus clientes, que também podem masturbar-se durante a sessão de submissão ou de sujeição sexual. Baumeister (1988) interpretou este desejo de desempenhar um papel submisso-receptor na sexual bondage como um sinal de masoquismo, portanto, como um desejo de eliminar a liberdade de acção e a iniciativa, que, nalguns casos observados por mim, aponta no sentido da auto-destruição ou da auto-mutilação corporal (De Sousa, 2006). Assim, o indivíduo que pratica a submissão sexual é aliviado ou liberto da iniciativa, da escolha e da responsabilidade por actos sexuais que, de outro modo, poderiam gerar conflito interno. A submissão sexual constitui uma espécie de fuga ou escape de elevados níveis de consciência do self: a sua prática evita que tome a decisão e assuma a responsabilidade pelos actos praticados. Ao ser amarrado ou limitado, o self promove nível baixo de auto-consciência imediata e concentra a atenção sobre o desamparo e a vulnerabilidade.
Porém, os indivíduos que apreciam sexual bondage raramente se envolvem em episódios de coerção sexual. Este comportamento está intimamente relacionado com o narcisismo (Bushman et al., 2003; Baumeister et al., 2002). Os narcisistas acreditam cegamente nos mitos convencionais da violação, vêem as vítimas como culpadas e sentem menos empatia pelos outros. Além disso, são muito favoráveis aos filmes com cenas de descrição de violações e, na realidade, reagem muito negativamente à rejeição das mulheres. Por isso, como não aceitam facilmente que as parceiras recusem os seus avanços sexuais, podem recorrer à força para fazer sexo não-consentido. Malamuth (1996) falou mesmo de uma síndrome de masculinidade hostil, caracterizada por um forte desejo de controlar as mulheres e por uma atitude insegura mas hostil em relação a elas. Esta síndrome combina-se com a preferência por sexo anónimo ou impessoal e a agressão sexual (De Sousa, 1998, 2006, 2007).
Alguns Dados Portugueses. A minha pesquisa mostrou claramente que as práticas de sexual bondage são muito frequentes entre os portugueses e que um número significativo de homens portugueses prefere o papel submisso-receptor, mesmo que não sejam homossexuais. Muitos desses homens ocupam efectivamente posições de relevo na sociedade portuguesa. Contudo, no que se refere aos homens homossexuais e bissexuais, convém frisar que, neste grupo, um número significativo desses homens prefere o papel dominador e executa actos muito hipermasculinos, tais como rimming, dildo, cookbinding, watersports, enema, fistfucking, scatologia e catheter. Com raras excepções, além das profissionais do sexo, as mulheres portuguesas participam pouco nas práticas de sexual bondage e, quando o fazem, são submissas. A escassez de mulheres justifica em parte a ocorrência de sessões de sadomasoquismo ou de disciplina sexual mistas, envolvendo os dois sexos e as diversas orientações sexuais. De um modo geral, os homens portugueses referem o sadomasoquismo, o exibicionismo, o voyeurismo, o fetichismo, os
piercings íntimos e tattoos como práticas associadas à B & D. Os homens auto-intitulados bissexuais, sobretudo os que são casados com mulheres, quase todos pais, envolvem-se facilmente nestas práticas sexuais, num ritmo quase diário, desempenhando frequentemente o papel submisso e de receptores anais. Os homens portugueses que praticam sexual bondage experimentam elevado prazer sexual intensificado, em comparação com o comportamento sexual convencional, chamado na sua linguagem "vanilla sex".
Estes resultados são congruentes, em termos genéricos, com os resultados do estudo mediado por computador realizado por Ernulf & Innala (1995), onde foram analisadas 514 mensagens, provenientes dos USA, Austrália, Canadá, Finlândia, Alemanha, Japão, Holanda, Noruega, Suécia e Reino Unido, com o objectivo de compreender melhor as experiências dos indivíduos, homens e mulheres, que praticam sexual bondage. 72% das mensagens foram escritas por homens, 24% por mulheres e 4% não referiam o sexo. Nas mensagens masculinas, 81% declararam ser heterossexuais, 18% homossexuais e 1% bissexuais. Nas mensagens femininas, 87% eram heterossexuais, 10% lésbicas e 3% bissexuais. Em 33% das mensagens, os participantes referiram o sadomasoquismo, e apenas 7 mencionaram o exibicionismo, a zoofilia, o voyeurismo, o fetichismo pelo pé e piercing. Neste estudo, somente 4 mulheres heterossexuais disseram preferir o papel dominador-iniciador, e 16 homens heterossexuais preferiam o papel submisso-receptor. Isto significa que os homens heterossexuais que preferem o papel submisso têm dificuldade em descobrir mulheres heterossexuais que desejam ser dominantes. Nas mensagens, 89% das mulheres heterossexuais preferiam o papel submisso-receptor, enquanto a maioria dos homens heterossexuais preferiam o papel dominador. Isto indica boa compatibilidade entre os sexos e, segundo os meus estudos, esta compatibilidade sexual estende-se também aos universos homossexuais, embora no estudo de Ernulf & Innala (1995) apenas 1 homem homossexual preferisse o papel dominador. Neste aspecto, não há congruência entre os dois estudos. Em Portugal, não tenho verificado uma desproporção entre o número de homens homossexuais que preferem o papel submisso e o papel dominante. Nalgumas situações pontuais, verifica-se um excesso de dominadores em relação aos submissos, sobretudo nas sessões de sadomasoquismo cujos participantes são recrutados via Internet. A versatilidade de papéis é desejável na comunidade gay e pode assentar na diferença entre os papéis que os homens gay preferem e os papéis que podem desempenhar. Outra discrepância entre estes dois estudos diz respeito aos papéis desempenhados pelos homens heterossexuais. Muitos homens heterossexuais portugueses preferem efectivamente desempenhar o papel submisso, executando ordens sexuais muito pouco congruentes com a sua orientação sexual. E o número daqueles que dizem preferir praticar o coito anal nas suas relações heterossexuais cresce cada vez mais.
Estes resultados exigem a problematização da heterossexualidade masculina, levando-nos a colocar a questão: O que é efectivamente um macho heterossexual? O heterosexismo dominante e a sua noção de masculinidade hegemónica (J.W. Connell & J.W. Hesserschmidt, 2005) iludem esta questão, apresentando a heterossexualidade como orientação sexual normal. Porém, quando observamos os homens heterossexuais em acção, detectamos rapidamente que aquilo que fazem não corresponde à imagem social do homem heterossexual. Não só não sabemos explicar a heterossexualidade como também somos forçados a constatar que algo errado se passa actualmente com a heterossexualidade masculina. Na minha amostra interactiva, mediada por computador (De Sousa, 2002, 2006, 2007), um número significativo de homens auto-intitulados heterossexuais, alguns casados, outros solteiros, nacionais e estrangeiros, que são "meus escravos sexuais", tanto no "perfil masculino", como no "perfil feminino", independentemente da orientação sexual simulada, obedece prontamente e pratica "auto-felação" ou penetra dildos ou dedos ou outro objecto qualquer no ânus, entre outras actividades. As sexualidades de género masculino são muito mais rígidas do que as sexualidades femininas de género (Baumeister, 2000; Diamond, 2000, 2004; De Sousa, 2006). Porém, verifica-se no momento presente que os homens heterossexuais estão cada vez mais plásticos em termos de prazeres e actividades sexuais realizadas, praticando frequentemente actividades sexualmente atípicas. Esta aparente plasticidade erótica da sexualidade masculina merece atenção, porque põe em causa aparentemente os estudos biológicos da orientação sexual. (Existem factores biologicamente activos que podem explicar este fenómeno.)
Nota: Este post foi editado originariamente aqui. O desenvolvimento deste ciberestudo encontra-se aqui, aqui ou, de modo integrado, aqui.
J Francisco Saraiva de Sousa

2 comentários:

Mustafa Şenalp disse...

Çok güzel site.:)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Hummm... Mustafa

Infelizmente, não sei turco! :)

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