quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Recensão da obra de Herbert Marcuse, "O Homem Unidimensional" ( III )

Por:
João Valente Aguiar 

Recensão da obra One-dimensional man de Herbert Marcuse: MARCUSE, Herbert (2002 [1964]) – One-dimensional man. London: Routledge. ISBN 0-415-28977-7. p.3-86

                                                  III Capítulo

O terceiro capítulo de “Homem Uni-Dimensional” – “A conquista da consciência infeliz [unhappy]” – gira à volta do conceito de desublimação repressiva.

«A integração na área da cultura (...) na lógica do progresso da racionalidade tecnológica» (Marcuse, idem, p.59) é sinónimo do fechamento do universo cultural. O «(...) campo das produções culturais (...)» (Bourdieu, 2001, p.37) tinha como pólo de diferenciação funcional – a distinção – a alta cultura. Segundo Marcuse, a «(...) alta cultura esteve sempre em contradição com a realidade social» (Marcuse, idem, p.60), o que assegurava a existência de duas dimensões na sociedade. O fim desta díade dimensional ocorreu, não por obra da «(...) negação e rejeição dos valores culturais, mas através da sua incorporação global nos parâmetros da ordem estabelecida, por intermédio da sua oferta e reprodução numa escala massiva» (Marcuse, idem, p.60). Ou seja, estamos diante o que Walter Benjamin denominou de “reproductibilidade técnica da obra de arte”, em que «quanto maior o significado social de uma [obra de] arte, diminui e tanto mais se afastam no público as atitudes críticas e de fruição (...)» (Benjamin, 1992, p.104). Na realidade, a massificação do uso (e usufruto) da obra de arte, na sua forma reproduzida, obedece ao princípio de «(...) tornar a alta cultura parte da cultura material» (Marcuse, idem, p.61). Porém, esta expansão da produção artística para o terreno da vida do comum mortal não é significado de democratização cultural. De um lado, temos a perda da aura da obra de arte, expressa no «(...) valor singular da obra de arte autêntica que tem o seu fundamento no ritual em que adquiriu o seu valor de uso original e primeiro (...)» (Benjamin, 1992, p.82). De outro lado, temos «a invalidação da sua força subversiva, o seu conteúdo destruidor (...)» (Marcuse, idem, p.64). O exemplo da proliferação do quadro “Guernica”[12] de Picasso, é sintomático desta tendência de banalização das suas potencialidades subversivas e/ou revolucionárias.


Estamos diante de uma análise bastante interessante de Marcuse – aliás, onde se nota a influência da Escola de Frankfurt – faltando-lhe apenas uma categorização social mais apurada. Quer dizer, a alta cultura, a cultura das práticas cultivadas, tinha (e tem) o seu estatuto de distinção, no sentido mais bourdiano do termo. Objecto de fruição das classes dominantes, a alta cultura assume foros distintivos face a outras expressões culturais, porque congrega uma distância entre si e os outros – isto é, tem um uso social – porque esta cultura de elite «(...) só se transforma numa diferença visível, perceptível, não-indiferente, socialmente pertinente, se for percebida por alguém capaz de estabelecer a diferença» (Bourdieu, 2001, p.10).


A «(...) reconciliação cultural (...)», fruto do «(...) poder absorvente da sociedade (...)» desvanece «a dimensão artística por assimilação dos conteúdos antagónicos» (Marcuse, idem, p.64), reflecte-se, dessa forma, na própria percepção de personagens literárias. Se no século XIX o poeta rebelde (Lord Byron, Georg Büchner), o diabo (Drácula) ou o louco (Raskolnikov), eram sintoma de uma certa oposição à realidade social e de criação livre do artista, hoje, não passam de banais figuras passíveis de consumo e entretenimento acríticos: Spiderman, Mr. Bean, Margarida Rebelo Pinto, etc.


No sentido de se perceber a perda da aura artística, Marcuse vai focalizar o poder de negação que a arte (já não) possui. Este poder da ficção apela, precisamente «(...) para a subversão da experiência quotidiana, e mostra-a mutilada e falsa» (Marcuse, idem, p.65). Franz Kafka disse, mais ou menos, o mesmo: «a lenda procura explicar o inexplicável. Como ela nasce de um fundo de verdade, tem de voltar ao inexplicável» (Kafka, 2001, p.16), com a acentuação da autonomia relativa do campo artístico, espelhada no vaivém: inexplicável (arte/lenda) – verdade (real) – inexplicável (arte/lenda).

A exposição anterior concretiza-se numa necessidade de delimitar o nível social da produção de conteúdos artísticos com as suas funcionalidades específicas e sua subordinação, em última instância, à lógica capitalista.


Portanto, a «(...) decisiva distinção e diferenciação entre realidade social e artística (...)» (Marcuse, idem, p.66), obedece ao que Raymond Williams denominou de «(...) imaginação criativa: ou seja, a capacidade de encontrar e organizar novas descrições da experiência» (Williams citado por Cevasco, 2001, p.53).

Aliás, o pensador húngaro Georgy Lukacs, vai propor o conceito de realismo como uma «(...) tomada de posição perante a realidade (...)» como um «(...) critério para julgar a produção artística» (Lukacs citado por Frederico, 1997, p.34). Dessa forma, os maiores artistas são aqueles capazes de resgatar e recriar a totalidade da vida humana, onde numa sociedade degradada como a capitalista, em que o social e o individual estão inelutavelmente dissociados, cabe ao artista uni-los de novo numa totalidade – consagrada na personificação como a textualidade de um poema ou a variedade cromática do óleo na tela – através do realismo.

Marcuse percebeu que a circulação de bens culturais controlada pelo mercado dos capitalistas privados, e não apenas no mercado dos bens simbólicos, obriga à sua transformação em objectos comerciais. Assim, a privação de uma linguagem e de um código de leitura da expressão artística criou os meios de para uma sobreposição castrante da lei do valor sobre as produções culturais.

A partir deste momento, a lógica dominante da criação de arte, passou a ser a do best-seller, do leilão de quadros, do número de entrevistas, dos prémios recebidos, do exacerbar do ego(ísmo). Nas franjas, no underground, a criação do belo e a combinação da estética com o desvendamento do mundo, são continuamente ostracizadas pelos agentes de divulgação cultural (museus, editoras, televisões, escolas de belas-artes, etc.) – não só porque não são vendáveis para um mercado cada vez mais esterilizado, mas também porque os seus códigos de expressividade estética não coincidem com os do pólo dominante do campo.

Concordamos, neste ponto, com Marcuse, que as várias formas de expressão artísticas não foram capazes de obstaculizar a perda de uma certa radicalidade discursiva e performativa.

Todavia, consideramos que a instância artística não se estilhaçou por completo e não perdeu toda e qualquer fronteira com os outros campos sociais.

Do nosso ponto de vista sucedeu-se, de facto, uma penetração acentuada das dinâmicas das leis económicas viabilizadoras da mercadorização dos bens e produtos sociais. Entrada (sub-reptícia) nos vocabulários da arte, a dois níveis diferenciados:

1. nível económico-artístico; dada a predominância do campo de produção de mercadorias numa formação social, só a obra de arte que proporcionar lucro é que existe. Tudo o que não caiba no mainstream, marcado pela dominação do económico, é como se não fizesse parte da realidade social, acabando marginalizado.

2. nível artístico propriamente dito; o precário grau de autonomia do campo cultural, sofre a invasão da ideologia típica do economicismo: o individualismo. A propensão para enaltecer o mérito individual, a vitória sobre (e o passar por cima dos) outros, em íntima associação com o espírito comercial marcam novos traços nos habitus dos artistas.

Neste cenário, a resposta advogada por Marcuse, tributária do teatro de Brecht[13], parte da problematização da possibilidade de representar (a mimésis) o mundo contemporâneo na arte. A partir daí, o «(...) mundo contemporâneo pode ser representado, mas apenas se o for enquanto sujeito para a mudança – como estado de negatividade do que está negado na sociedade» (Marcuse, idem, p.69-70). Denota-se, nesta transcrição, que o pessimismo de Marcuse, no que diz respeito à mudança social, é aqui atenuado por uma resistência confinada, apenas, ao mundo artístico.

Mais para o final do capítulo, o autor, numa linha fortemente influenciada pela psicanálise, vai enfatizar a repressão da libido sexual.

Utilizando uma exposição comparativa entre “fazer amor” num bosque ou num automóvel, ou, dar um passeio com a companheira no campo ou numa rua de Manhattan, Marcuse acentua o facto de que «o ambiente mecanizado parece bloquear a auto-transcendência da libido (...)» (Marcuse, idem, p.75). Logo, a «(...) diminuição do erotismo e a intensificação da energia sexual, em resultado da realidade tecnológica, limita o alcance da sublimação» (Marcuse, idem, p.77).Assim, o corpo vai ocupar um papel central na exteriorização da procura de satisfação sexual, mais do que erótica.

Esta desublimação ajustada pelo «(...) progresso tecnológico e pelo conforto do modo de vida actual, permite a inclusão dos componentes libidinais no quadro da produção e troca de mercadorias» (Marcuse, idem, p.79), com inevitáveis consequências no enfraquecimento da racionalidade de protesto. Esta ocorrência assim sucede, pois o espírito humano conforma-se com uma mera satisfação fisiológica e sensitiva. Os reflexos no consumo são evidentes, com a transmutação dos bens adquiridos em instrumentos de concretizar, mais vincadamente, o princípio do prazer, já que este não é prorrogado pelas vias normais (erotismo, satisfação das necessidades reais e não mercantis). Marcuse, por seu turno, chega mesmo a afirmar que esta satisfação não passa de «uma capa superficial sobre o medo, a frustração e o desgosto» (Marcuse, idem, p.80) latentes.

O Thanatos (pulsão da morte) vai, desse modo, tornar-se reflexo, incarnado pelos agentes sociais, «(...) da capacidade para manipular o progresso técnico, extensível à capacidade para manipular os instintos, isto é, o indivíduo satisfaz-se produtivamente» (Marcuse, idem, p.82) [itálicos da nossa autoria]. Por outras palavras, a produtividade do dia-a-dia é a pedra de toque da satisfação do sujeito, que entra num ciclo de consumo recíproco: o instinto, então exacerbado, procura o equilíbrio – entre o princípio da realidade e do prazer – através do consumo (efémero) de bens à sua disposição no mercado. Por sua vez, este consumo é efeito da produção industrial e capitalista, que precisa desse consumo para realizar valor (transformação da mais-valia incorporada no produto final do trabalho, em lucro) com a venda de mercadorias.

Neste âmbito, a teoria da alienação (ou do estranhamento) do jovem Marx acrescenta importantes contributos à crítica do homo economicus: «a extensão dos produtos e das necessidades tornam-no [ao indivíduo] escravo inventivo e sempre calculista de apetites inumanos, refinados, inaturais e imaginários – a propriedade privada não sabe tornar a necessidade rude numa necessidade humana» (Marx, 1994, p.129).

Rematando este ensaio, importa perceber a importância desta obra para uma compreensão mais cabal dos efeitos perversos que o modo de produção capitalista provoca nas classes assalariadas, nos excluídos, nos desempregados. Contudo, Marcuse é manifestamente insuficiente na crítica que faz ao capitalismo (confundido, em primeira mão com a sociedade industrial), porque se oferece interessantes instrumentos para a constituição de uma teoria da dominação, há que os fundear numa teoria da exploração – primordial face à dominância do económico numa formação social capitalista – como Marx (tão bem) o fez. Sem interligar e articular as diversas instâncias, com referência ao processo de produção de mais-valia, qualquer tentativa para perceber a fundo os fenómenos sociais e encontrar vectores possíveis de engendrar novas relações sociais afigura-se, estamos em crer, pobre e parcial.


Referências bibliográficas



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Notas:

[1] Que também podemos considerar como uma introdução do livro e da matriz teórica subjacente à redacção desta obra.




[2] Atente-se no enfatizar contínuo da homogeneização dos consumos. Desde o mesmo programa de televisão ao mesmo local de férias, toda uma série de práticas sociais são consideradas como a-classistas. Ora, Bourdieu demonstrou que isto não se passa exactamente assim: «a cada classe de posições [no espaço social composto pela combinação de capital económico e cultural] corresponde uma classe de habitus (ou de gostos) produzidos pelos condicionamentos sociais associados à condição correspondente e, por intermédio destes habitus e das suas capacidades generativas, um conjunto sistemático de bens e de propriedades, unidos entre si por uma afinidade de estilo» (Bourdieu, 2001, p.9). Sintetizando, pode-se afirmar que a diferentes práticas e consumos culturais pelas várias classes e fracções de classe, corresponde uma matriz simbólica que recobre e dá um carácter de unidade às acções dos agentes sociais: a ideologia dominante numa dada formação social. No caso das sociedades capitalistas, encontramos o individualismo como a forma mais acabada de dominação ideológica.



[3] Castells, quarenta anos mais tarde, vai defender – especificando estas teses numa tecnologia própria – que a Internet «(...) é o meio de comunicação que constitui a forma organizativa das novas sociedades (...)» (Castells, 2004).



[4] Não deixa de ser curioso verificar a desfocagem epistemológica do autor, em torno da centralidade do trabalho, para uma posterior recolocação do núcleo da sua análise na tecnologia. Elucidativo deste movimento é a seguinte afirmação retirada de “Razão e Revolução”: «(...) o processo de trabalho determina a totalidade da existência humana e, pois, constitui o modelo básico da sociedade» (Marcuse, 1969, p.268), em absoluta contradição com as teses da uni-dimensionalidade.



[5] Contudo, de um ponto de vista epistemológico, Herbert Marcuse rejeita o empirismo, derivado do pensamento uni-dimensional. A uni-dimensionalidade lógico-cognitiva presente na «(...) redução e no repelir do universo do discurso dos temas deste universo [das sociedades industriais]» (Marcuse, 2002, p.14) tem consequências nas próprias mentes dos intelectuais. Estes não se propõem fazer mais do que «representações de operações particulares no tratamento dos conceitos» (Marcuse, idem, ibidem), isto é, passam a conceber o fenómeno social como «(...) por si e em si, e a constituir na imediatez do seu aparecer empírico, a totalidade do próprio ser» (Moura, 1997, p. 77). Ressalta a ideia de que o indagar da complexidade e interpenetração da múltiplas linhas axiais de causalidade diferenciada é menorizada em relação a uma mera facticidade aparente de um registo observado momentaneamente. Resumindo, Marcuse, neste âmbito, trabalha bem a negação do empirismo e desenvolve conceitos tendentes a uma radicalidade social, apesar das insuficiências já apontadas.



[6] Marcuse critica correctamente, a conciliação e o reformismo dos Partidos Comunistas ocidentais à ordem vigente, quando afirma que «fortes Partidos [Comunistas] em França e Itália, tornaram-se testemunhas da tendência geral ao aderirem a um programa mínimo que abandona a perspectiva revolucionária do poder e se adequa às regras do jogo parlamentar» (Marcuse, idem, p.23), apesar de nunca oferecer um paradigma alternativo ao cortejo de exploração, exclusão e barbárie capitalistas, sintoma da sua incapacidade de romper cabal e completamente com a cortina de fumo da ideologia dominante.



[7] Autonomia que, diga-se em boa verdade, não é contemplada por Marcuse, na medida em que reduz todas as dimensões da sociedade a um epifenómeno da tecnologia, que surge como algo de transcendental às próprias relações sociais que, na base, estipulam os formatos de aplicação da tecnologia no real.



[8] Por colocar a primazia, de forma unilateral, no desenvolvimento das forças produtivas sobre as relações e interacções que os homens estabelecem entre si e com o meio ambiente, Marcuse acusa a teoria clássica marxista de congeminar que «(...) o proletariado destrói o aparato político do capitalismo, mas mantém o aparato tecnológico» (Marcuse, idem, p.24) inalterado. Esta apreciação que o próprio Max Weber enunciou na crítica ao materialismo histórico, é infirmada por um dos mais importantes pensadores (e dirigentes políticos) marxistas da primeira metade do século XX – Nicolai Bukharine – que condensa a visão marxiana no que toca à (falsa) neutralidade tecnológica, ao fazer notar a «(...) revolucionarização dos métodos técnicos, a modificação e a rápida melhoria da técnica social racionalizada» (Bukharine, 1974, p.43), numa sociedade socialista.



[9] O alto funcionário da administração de Lyndon Johnson, Walter Rostow não diria melhor, quando generaliza uma sequência de etapas definidas a priori e aplicáveis a todos os contextos sócio-económicos e que deveriam ser copiadas por todas as nações. Aqui prevalece a noção de um fixo modelo de desenvolvimento, assente na especialização produtiva (Rostow, 1963).



[10] Todavia não devemos esquecer as chacinas que alguns dos mais proeminentes e “democráticos” Estados-Providência realizaram no pós-guerra. Basta olhar, por exemplo, para a guerra que a França protagonizou na Argélia, nos anos 50, contra a independência daquele país africano, provocando mais de um milhão de mortos. Outras guerras poderiam ser mencionadas como a do Vietname (três milhões de mortos), ou o apoio que os EUA deram na implementação das ditaduras militares na América Latina (Argentina, Chile, Brasil).



[11] Os conselhos operários enquanto forma avançada de poder político e económico da classe proletária, têm a característica fundamental de a «(...) fonte de poder não estar numa lei previamente discutida e aprovada pelo parlamento, mas na iniciativa directa das massas populares partindo de baixo e à escala local, pelo poder imediato do próprio povo» (Lenine, 1978, p.18).



[12] Não podemos deixar de referir um episódio delicioso relativo à história deste quadro. Em 1940, quando os nazis conquistam Paris, uma patrulha, entre muitas outras, dirige-se ao atelier de Pablo Picasso. Chegados lá, um oficial interpela o pintor acerca de “Guernica”: «Foi você que fez isto?», ao que o artista espanhol retorquiu, com um notável sentido de humor e uma fina ironia: «Não! Foram vocês!».



[13] Um dos grandes dramaturgos do século XX, autor de obras como “O Círculo do Giz Caucasiano”, “Miséria e Esplendor do III Reich” ou “Mãe Coragem”, Brecht proponha um teatro esteticamente inovador e que, paralelamente, apela-se à racionalidade do espectador. Em Portugal autores como Luís de Sttau Monteiro, Bernardo Santareno ou Luiz Francisco Rebello, ou encenadores como Joaquim Benite (actual director do Festival Internacional de Almada) foram os mais destacados seguidores das propostas brechtianas.


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