por Daniel Vaz de Carvalho
em resistir.info/ 11/02/2014
C. Marx, Trabalho assalariado e capital
Notas
1 – Ver De Carmona a Cavaco e à "salvação nacional"
2 – Recuperação para os 7 por cento , Paul Craig Roberts
3 – As máscaras do Estado capitalista, Avelãs Nunes, Ed. Avante, 2013.
4 – Atilio A. Boron, Socialismo para os ricos, mercado para os pobres ,
5 – European Competitiveness Report 2010, Brussels, 28.10.2010, SEC (2010) 1276, p.82.
6 – A crise económica mundial, a globalização e o Brasil, Edmilson Costa, Ed. ICP, 2013, p. 179.
7 – Maurice Allais (1911-2011) foi um liberal que se opôs totalmente ao neoliberalismo, sendo por isso marginalizado. Notável académico, recebeu o prémio (dito) Nobel de economia em 1988. Porém, praticamente, a partir daquela data apenas periódicos progressistas como o L' Humanité, publicaram seus textos. Allais opôs à especulação, à criação monetária pela banca, etc, no geral a todas as políticas económicas que hoje vigoram na UE. Sendo um defensor da comunidade europeia nunca admitiu a supressão sistemática das barreiras alfandegárias, atendendo aos desníveis económicos existentes. Nos seus estudos económicos fez entrar aspetos psicológicos, demonstrando a falsidade dos axiomas neoliberais. Uma das suas ideias interessantes foi a de opor-se ao "custo de oportunidade", mostrando que não se pode falar (em termos macroeconómicos) no custo de um bem ou de um serviço, mas sim do custo de uma decisão. O que nos leva, obviamente à avaliação no cálculo económico dos custos e benefícios sociais das decisões políticas. (ver mais em http://fr.wikipedia.org/wiki/Maurice_Allais#mw-navigation )
8 – The Death of Economics, Paul Ormerod, Faber and Faber, Londres, 1994, p.8
em resistir.info/ 11/02/2014
"Dizer que os interesses do capital e os interesses dos trabalhadores são os mesmos, equivale simplesmente a dizer que o capital e o trabalho assalariado são dois aspetos de uma mesma relação. E um se acha condicionado pelo outro, como o usurário pelo devedor, e vice-versa."
C. Marx, Trabalho assalariado e capital
1- A FALÁCIA DO "CRESCIMENTO E EMPREGO"
O governo e os corifeus da tragédia neoliberal exultam apregoando os "bons indicadores" do crescimento e do emprego. Mas a propaganda não passa de uma bela embalagem sem nada lá dentro. O PIB regride relativamente a 2012, cai para níveis de 2000 (há 14 anos!); o desemprego é mascarado com a emigração e o subemprego – trabalho parcial, por exemplo, de 1 a 10 horas semanais.
Em "Utopía 14", Kurt Vonnegut descreveu uma sociedade de alto nível tecnológico, dominada por uma camada desfrutando de elevados padrões de vida, face à grande maioria marginalizada e vivendo nos limites da subsistência. Admitindo por hipótese que alguma estabilidade económica e social fosse possível nesta fase do capitalismo, capitalismo senil, as políticas atuais configuram como objetivo este modelo de sociedade: uma elite tecnocrática, face a um proletariado na condição de "servo da gleba". Diga-se que o livro termina com uma revolução.
No Portugal do salazarismo houve crescimento e emprego associado à repressão, à miséria, a maior atraso relativo. Na América Latina, em países submetidos aos critérios do FMI e do neoliberalismo, impostos por sangrentas ditaduras, também houve pelo menos de início, crescimento e emprego com aumento da pobreza e da dependência externa.
Nos EUA, em dois anos da dita "recuperação económica", os 7% mais ricos aumentaram em 27% a sua riqueza, mas para os restantes 93% caiu 4%. O ganho acionista de 50% entre 2011 e 2013, à custa dos milhões pagos pelos contribuintes, foi na sua grande maioria para as mãos dos 5% mais ricos. Porém, o sistema de saúde é para quem pode pagar e segundo a "Feeding America" uma em cada seis pessoas passa fome.
Os instrumentos de gestão do Estado que democraticamente poderiam servir para o desenvolvimento são eliminados e a sociedade entregue aos "estabilizadores automáticos" dos "mercados", isto é, ao domínio da especulação e dos monopólios".
O período pós-guerra constituiu de facto uma fase de desenvolvimento económico nos principais países capitalistas, não se podendo ignorar que muito disto se devia a relações coloniais e neocoloniais com países de capitalismo dependente. Nessa altura o peso do Estado na economia atingia 50% ou mais do PIB e nos países mais avançados quase 60%; a FBCF por parte do Estado e o sector empresarial do Estado eram relevantes e considerados condição do desenvolvimento económico e social.
Tratava-se de mais uma das máscaras do estado capitalista. A derrota do nazi-fascismo, em que o grande capital tinha abertamente colaborado com os agressores em muitos países e a luta popular, aliada ao prestígio da URSS e das teses marxistas, obrigavam o sector capitalista a cedências para conservarem o essencial do seu poder.
De facto, como dizem Marx e Engels no "Manifesto", em capitalismo "a situação material do operário pode melhorar, mas à custa da sua situação social" e do seu empobrecimento relativo.
O neoliberalismo pode, transitoriamente, entre as crises, permitir algum crescimento, mas sem desenvolvimento. O desenvolvimento visa a máxima satisfação das necessidades sociais e a sustentabilidade ecológica. Necessidades sociais que serão tanto mais e melhor contempladas quanto menor for a desigualdade na repartição do rendimento e o aumento da produtividade social.
Numa economia sem desenvolvimento, como a neoliberal, o social é considerado ineficiente visto que não produz lucro visível a curto prazo e não reverte diretamente para o sector capitalista. As despesas do Estado só são consideradas eficientes se o sector capitalista tiver nelas interesse direto. Os apoios sociais, para além da retórica de propaganda, só não são totalmente retirados com receio das reações da opinião pública.
Numa visão de futuro para o planeta e no interesse de todos os povos, os países mais ricos e de alto nível tecnológico deveriam concentrar os seus esforços não na corrida armamentista e no "crescimento" sobretudo à custa dos mais pobres, mas no desenvolvimento de tecnologias que reduzissem os impactos ambientais e na melhoria das condições económicas e sociais de todos os povos. Mas esta evidência e exigência para a própria sobrevivência da humanidade, mais que uma utopia, trata-se de uma impossibilidade teórica em termos capitalistas, por muito que tal custe a ser reconhecido pela social-democracia/socialismo reformista.
2 -OS MITOS DO CRESCIMENTO
A decadência do sistema capitalista nesta fase neoliberal, derradeiro recurso para a queda da taxa de lucro, torna-se evidente ao verificarmos que apenas se fundamenta em mitos, negados pela realidade objetiva. A existência social destes mitos fica apenas a dever-se a intensa propaganda e à deliquescência ideológica da social-democracia/socialismo reformista. Destacamos alguns, sem a pretensão de análise exaustiva que pode ser encontrada em vários textos deste espaço.
O mito dos "mercados" corresponde à financeirização da economia, à sua entrega à especulação e usura, apoiada em paraísos fiscais, percorrida pela corrupção e pela fraude, suportada pelos bancos centrais (BCE, FED, etc.). Os "mercados" servem de arma de agressão social e opressão contra os povos por eles dominados, concretizada na chantagem dos juros e nos planos de austeridade, com ou sem troikas.
A eficiência capitalista , erroneamente dita privada, é outro mito. As grandes empresas mundiais são monstros burocráticos que só sobrevivem devido ao poder militar do imperialismo, suas agências económicas (FMI, BM, OMC, CE, BCE) e serviços conspirativos (CIA, agencias e ONG sob seu controlo, outros serviços secretos).
As grandes empresas não correm riscos de depender do mercado, por isso deslocam-se para áreas de lucro garantido – na energia, telecomunicações, distribuição alimentar, imobiliário e turismo de luxo. Tudo muito longe dos riscos que teoricamente o capital corre e que servem de argumento para os privilégios obtidos.
O grande capital não vai à falência, as empresas podem desaparecer, deslocalizar-se, serem absorvidas, vendidas por partes no interesse exclusivo dos principais acionistas, com indemnizações milionárias para os gestores Na banca, os governos assumiram a responsabilidade pela irresponsável gestão financeira, e fazem-na pagar aos trabalhadores. Os riscos de mercado estão reservados para as MPME.
Aqui radica a decantada eficiência capitalista, que acarreta despedimentos e degradação do nível de vida dos trabalhadores. O capital permanece intacto, reage à taxa ROE (taxa de lucro das ações) transforma capital produtivo em capital fictício.
Se a economia dita de mercado é tão eficiente, então como explicar as crises, por que não deixam falir os bancos insolventes, porquê a fraude e a corrupção, a promiscuidade com o dinheiro sujo do crime organizado, porquê oferecer rendas monopolistas ao grande capital?
Com o álibi do "crescimento e do emprego" são concedidos perdões fiscais, redução de impostos, benefícios fiscais e "incentivos" ao grande capital, que o PS apoia e a UGT aplaude. A falsa eficiência destes incentivos, resgates financeiros e outros processos de drenar a riqueza criada para os bolsos de uma ínfima minoria, está bem patente nos EUA.
Entre o final de 2007 e meados de 2010 o Fed proporcionou 16 milhões de milhões de dólares para "resgates" ao sistema bancário e grandes empresas nos EUA e na UE. Um roubo de US$16 milhões de milhões. É ingénuo esperar que a minoria responsável por um sistema que para ela funciona bem democratize a economia e a política. Esta é a tarefa central dos 99%.
O investimento externo é outro mito numa economia sem planeamento e com livre transferência de capitais e lucros para paraísos fiscais. Tem sido uma forma das transnacionais absorverem concorrentes (muitas vezes para os fecharem) num processo de concentração e monopolização em que de qualquer forma o país perde o controlo sobre os processos de desenvolvimento. As privatizações têm servido para o grande capital transnacional se alojar em sectores estratégicos da economia e em monopólios naturais exportando lucros, depauperando o país.
Um outro aspeto é a subcontratação a empresas que podem ser ou passar a ser do mesmo grupo, baseada na troca desigual, na sub e sobrefaturação. A estes subcontratos, embora por vezes consistam na fase mais importante do processo produtivo, cabe apenas uma percentagem mínima do preço de venda. Num caso estudado (telemóvel Nokia), esse valor não ia além dos 2%.
A flexibilidade laboral é um argumento a que a social-democracia/socialismo reformista e o sindicalismo colaboracionista se agarram para justificar em nome do crescimento e do emprego a redução de direitos laborais e salários reais. A flexibilidade representa o trabalhador sem direitos, sem autonomia, sem garantias nem no emprego nem no desemprego. O objetivo da flexibilidade é baixar salários, mas baixos salários provocam a estagnação económica. A ausência de "crescimento e emprego" resulta, sim, da falta de investimento produtivo e de desenvolvimento económico e social, consequência de uma sociedade hipertrofiada pelo grande capital monopolista, pela usura e pela especulação.
A ilusão tecnocrática é um outro mito pelo qual os problemas e contradições do capitalismo podem ser resolvidos pela tecnologia. Não é a tecnologia que define ou muda o padrão e o modo de funcionamento de uma sociedade – refira-se por exemplo, o nazismo ou as condições sociais nos EUA – mas sim as leis fundamentais da economia política que vigoram nessa sociedade.
O consumismo é outra ilusão propagandeada, a "modernidade" com precariedade, estagnação ou redução dos salários reais e consequente endividamento. Representa uma das formas mais evidentes das contradições do sistema capitalista, sem dúvida uma das mais perversas, baseada na alienação da consciência social e ambiental das pessoas. A contradição entre um crescimento constante, guiado pela maximização do lucro, num mundo de recursos finitos.
A sociedade espelho desta ideologia são os EUA: com 5% dos habitantes do planeta consome 25% dos recursos mundiais disponibilizados anualmente e polui na mesma proporção. Na realidade, "o capitalismo não tem compromisso com o progresso social, não será capaz de satisfazer as necessidades da população".
O free-trade, o mito da concorrência "livre e não falseada" (com monopólios!) obriga os países à exportação. Aos países tecnologicamente menos avançados resta a competição em nichos de mercado praticamente saturados, na base de baixos salários e trabalho sem direitos. O significado deste processo é exemplarmente definido por Marx em "Teorias da Mais Valia": "O comércio externo determina a forma social das nações atrasadas".
O "exportar mais" não passa de uma comodidade de raciocínio, um simplismo para semear ilusões. No estado de (não) desenvolvimento económico que Portugal atingiu, não se obtém "crescimento e emprego", isto é, aumento do mercado interno, com base nas exportações, mas é a partir do desenvolvimento do mercado interno que se desenvolvem as exportações.
A solidariedade europeia é outro mito, a que se agarrou a social-democracia/socialismo reformista para tentar mascarar a sua decadência ideológica. Mas não passa de uma ilusão, a "solidariedade europeia" está apenas ao serviço dos "mercados", não dos povos.
Maurice Allais criticou as políticas de mercado livre da UE, o tratado de Maastricht, previu a bolha imobiliária, opôs-se ao consenso de Washington e a todas as teses do neoliberalismo e monetarismo. Para M. Allais, contrariando as políticas da UE, "o mercado livre só é benéfico em circunstâncias especiais e os seus efeitos só são favoráveis entre regiões com níveis de desenvolvimento comparáveis". É uma evidência que mostra como na UE "o rei vai nu". Foi, apesar do seu prestígio, silenciado. A então jovem "estrela" do PSF, Jacques Atalli, conselheiro especial de Mitterrand, depois de Sarkozy, e algo parecido com F. Hollande (!); ele próprio se tornou financeiro, considerou estas ideias "estúpidas" e que "todos os obstáculos ao mercado livre são um fator que leva à recessão". Na realidade, com estes "inteligentes" a UE apenas conheceu recessão ou estagnação, desemprego e pobreza para níveis inqualificáveis.
3 – COMO CONCLUSÃO
Todas estas falácias soçobram perante as várias crises que simultaneamente o sistema traz ao mundo: a económica e financeira, a social, a ambiental, a militarista.
A eficiência capitalista é feita à custa da exploração imperialista e da troca desigual, da insegurança dos trabalhadores e da repressão, conduzindo a um processo de irreversível decadência; depredação ambiental e a expansão parasitária, estreitamente interrelacionadas.
As anémicas recuperações são seguidas de recaídas, a pobreza aumenta, os países capitalistas considerados mais ricos são Estados cada vez mais insolventes.
A social-democracia/socialismo reformista pretende resolver a crise económica e financeira – e apenas esta! – pelo empobrecimento da classe trabalhadora e a opção pelo militarismo (vide recentes resoluções na UE sobre o tema e a sua participação na agressão e desestabilização da Líbia, Síria, Ucrânia, para só mencionar estes).
O conceito de desenvolvimento opõe-se ao crescimento capitalista, baseia-se na maximização da eficiência económica tendo em conta os custos e benefícios sociais e não a maximização do lucro, o que só é possível com uma política não capitalista, visando a construção do socialismo.
O governo e os corifeus da tragédia neoliberal exultam apregoando os "bons indicadores" do crescimento e do emprego. Mas a propaganda não passa de uma bela embalagem sem nada lá dentro. O PIB regride relativamente a 2012, cai para níveis de 2000 (há 14 anos!); o desemprego é mascarado com a emigração e o subemprego – trabalho parcial, por exemplo, de 1 a 10 horas semanais.
Em "Utopía 14", Kurt Vonnegut descreveu uma sociedade de alto nível tecnológico, dominada por uma camada desfrutando de elevados padrões de vida, face à grande maioria marginalizada e vivendo nos limites da subsistência. Admitindo por hipótese que alguma estabilidade económica e social fosse possível nesta fase do capitalismo, capitalismo senil, as políticas atuais configuram como objetivo este modelo de sociedade: uma elite tecnocrática, face a um proletariado na condição de "servo da gleba". Diga-se que o livro termina com uma revolução.
No Portugal do salazarismo houve crescimento e emprego associado à repressão, à miséria, a maior atraso relativo. Na América Latina, em países submetidos aos critérios do FMI e do neoliberalismo, impostos por sangrentas ditaduras, também houve pelo menos de início, crescimento e emprego com aumento da pobreza e da dependência externa.
Nos EUA, em dois anos da dita "recuperação económica", os 7% mais ricos aumentaram em 27% a sua riqueza, mas para os restantes 93% caiu 4%. O ganho acionista de 50% entre 2011 e 2013, à custa dos milhões pagos pelos contribuintes, foi na sua grande maioria para as mãos dos 5% mais ricos. Porém, o sistema de saúde é para quem pode pagar e segundo a "Feeding America" uma em cada seis pessoas passa fome.
Os instrumentos de gestão do Estado que democraticamente poderiam servir para o desenvolvimento são eliminados e a sociedade entregue aos "estabilizadores automáticos" dos "mercados", isto é, ao domínio da especulação e dos monopólios".
O período pós-guerra constituiu de facto uma fase de desenvolvimento económico nos principais países capitalistas, não se podendo ignorar que muito disto se devia a relações coloniais e neocoloniais com países de capitalismo dependente. Nessa altura o peso do Estado na economia atingia 50% ou mais do PIB e nos países mais avançados quase 60%; a FBCF por parte do Estado e o sector empresarial do Estado eram relevantes e considerados condição do desenvolvimento económico e social.
Tratava-se de mais uma das máscaras do estado capitalista. A derrota do nazi-fascismo, em que o grande capital tinha abertamente colaborado com os agressores em muitos países e a luta popular, aliada ao prestígio da URSS e das teses marxistas, obrigavam o sector capitalista a cedências para conservarem o essencial do seu poder.
De facto, como dizem Marx e Engels no "Manifesto", em capitalismo "a situação material do operário pode melhorar, mas à custa da sua situação social" e do seu empobrecimento relativo.
O neoliberalismo pode, transitoriamente, entre as crises, permitir algum crescimento, mas sem desenvolvimento. O desenvolvimento visa a máxima satisfação das necessidades sociais e a sustentabilidade ecológica. Necessidades sociais que serão tanto mais e melhor contempladas quanto menor for a desigualdade na repartição do rendimento e o aumento da produtividade social.
Numa economia sem desenvolvimento, como a neoliberal, o social é considerado ineficiente visto que não produz lucro visível a curto prazo e não reverte diretamente para o sector capitalista. As despesas do Estado só são consideradas eficientes se o sector capitalista tiver nelas interesse direto. Os apoios sociais, para além da retórica de propaganda, só não são totalmente retirados com receio das reações da opinião pública.
Numa visão de futuro para o planeta e no interesse de todos os povos, os países mais ricos e de alto nível tecnológico deveriam concentrar os seus esforços não na corrida armamentista e no "crescimento" sobretudo à custa dos mais pobres, mas no desenvolvimento de tecnologias que reduzissem os impactos ambientais e na melhoria das condições económicas e sociais de todos os povos. Mas esta evidência e exigência para a própria sobrevivência da humanidade, mais que uma utopia, trata-se de uma impossibilidade teórica em termos capitalistas, por muito que tal custe a ser reconhecido pela social-democracia/socialismo reformista.
2 -OS MITOS DO CRESCIMENTO
A decadência do sistema capitalista nesta fase neoliberal, derradeiro recurso para a queda da taxa de lucro, torna-se evidente ao verificarmos que apenas se fundamenta em mitos, negados pela realidade objetiva. A existência social destes mitos fica apenas a dever-se a intensa propaganda e à deliquescência ideológica da social-democracia/socialismo reformista. Destacamos alguns, sem a pretensão de análise exaustiva que pode ser encontrada em vários textos deste espaço.
O mito dos "mercados" corresponde à financeirização da economia, à sua entrega à especulação e usura, apoiada em paraísos fiscais, percorrida pela corrupção e pela fraude, suportada pelos bancos centrais (BCE, FED, etc.). Os "mercados" servem de arma de agressão social e opressão contra os povos por eles dominados, concretizada na chantagem dos juros e nos planos de austeridade, com ou sem troikas.
A eficiência capitalista , erroneamente dita privada, é outro mito. As grandes empresas mundiais são monstros burocráticos que só sobrevivem devido ao poder militar do imperialismo, suas agências económicas (FMI, BM, OMC, CE, BCE) e serviços conspirativos (CIA, agencias e ONG sob seu controlo, outros serviços secretos).
As grandes empresas não correm riscos de depender do mercado, por isso deslocam-se para áreas de lucro garantido – na energia, telecomunicações, distribuição alimentar, imobiliário e turismo de luxo. Tudo muito longe dos riscos que teoricamente o capital corre e que servem de argumento para os privilégios obtidos.
O grande capital não vai à falência, as empresas podem desaparecer, deslocalizar-se, serem absorvidas, vendidas por partes no interesse exclusivo dos principais acionistas, com indemnizações milionárias para os gestores Na banca, os governos assumiram a responsabilidade pela irresponsável gestão financeira, e fazem-na pagar aos trabalhadores. Os riscos de mercado estão reservados para as MPME.
Aqui radica a decantada eficiência capitalista, que acarreta despedimentos e degradação do nível de vida dos trabalhadores. O capital permanece intacto, reage à taxa ROE (taxa de lucro das ações) transforma capital produtivo em capital fictício.
Se a economia dita de mercado é tão eficiente, então como explicar as crises, por que não deixam falir os bancos insolventes, porquê a fraude e a corrupção, a promiscuidade com o dinheiro sujo do crime organizado, porquê oferecer rendas monopolistas ao grande capital?
Com o álibi do "crescimento e do emprego" são concedidos perdões fiscais, redução de impostos, benefícios fiscais e "incentivos" ao grande capital, que o PS apoia e a UGT aplaude. A falsa eficiência destes incentivos, resgates financeiros e outros processos de drenar a riqueza criada para os bolsos de uma ínfima minoria, está bem patente nos EUA.
Entre o final de 2007 e meados de 2010 o Fed proporcionou 16 milhões de milhões de dólares para "resgates" ao sistema bancário e grandes empresas nos EUA e na UE. Um roubo de US$16 milhões de milhões. É ingénuo esperar que a minoria responsável por um sistema que para ela funciona bem democratize a economia e a política. Esta é a tarefa central dos 99%.
O investimento externo é outro mito numa economia sem planeamento e com livre transferência de capitais e lucros para paraísos fiscais. Tem sido uma forma das transnacionais absorverem concorrentes (muitas vezes para os fecharem) num processo de concentração e monopolização em que de qualquer forma o país perde o controlo sobre os processos de desenvolvimento. As privatizações têm servido para o grande capital transnacional se alojar em sectores estratégicos da economia e em monopólios naturais exportando lucros, depauperando o país.
Um outro aspeto é a subcontratação a empresas que podem ser ou passar a ser do mesmo grupo, baseada na troca desigual, na sub e sobrefaturação. A estes subcontratos, embora por vezes consistam na fase mais importante do processo produtivo, cabe apenas uma percentagem mínima do preço de venda. Num caso estudado (telemóvel Nokia), esse valor não ia além dos 2%.
A flexibilidade laboral é um argumento a que a social-democracia/socialismo reformista e o sindicalismo colaboracionista se agarram para justificar em nome do crescimento e do emprego a redução de direitos laborais e salários reais. A flexibilidade representa o trabalhador sem direitos, sem autonomia, sem garantias nem no emprego nem no desemprego. O objetivo da flexibilidade é baixar salários, mas baixos salários provocam a estagnação económica. A ausência de "crescimento e emprego" resulta, sim, da falta de investimento produtivo e de desenvolvimento económico e social, consequência de uma sociedade hipertrofiada pelo grande capital monopolista, pela usura e pela especulação.
A ilusão tecnocrática é um outro mito pelo qual os problemas e contradições do capitalismo podem ser resolvidos pela tecnologia. Não é a tecnologia que define ou muda o padrão e o modo de funcionamento de uma sociedade – refira-se por exemplo, o nazismo ou as condições sociais nos EUA – mas sim as leis fundamentais da economia política que vigoram nessa sociedade.
O consumismo é outra ilusão propagandeada, a "modernidade" com precariedade, estagnação ou redução dos salários reais e consequente endividamento. Representa uma das formas mais evidentes das contradições do sistema capitalista, sem dúvida uma das mais perversas, baseada na alienação da consciência social e ambiental das pessoas. A contradição entre um crescimento constante, guiado pela maximização do lucro, num mundo de recursos finitos.
A sociedade espelho desta ideologia são os EUA: com 5% dos habitantes do planeta consome 25% dos recursos mundiais disponibilizados anualmente e polui na mesma proporção. Na realidade, "o capitalismo não tem compromisso com o progresso social, não será capaz de satisfazer as necessidades da população".
O free-trade, o mito da concorrência "livre e não falseada" (com monopólios!) obriga os países à exportação. Aos países tecnologicamente menos avançados resta a competição em nichos de mercado praticamente saturados, na base de baixos salários e trabalho sem direitos. O significado deste processo é exemplarmente definido por Marx em "Teorias da Mais Valia": "O comércio externo determina a forma social das nações atrasadas".
O "exportar mais" não passa de uma comodidade de raciocínio, um simplismo para semear ilusões. No estado de (não) desenvolvimento económico que Portugal atingiu, não se obtém "crescimento e emprego", isto é, aumento do mercado interno, com base nas exportações, mas é a partir do desenvolvimento do mercado interno que se desenvolvem as exportações.
A solidariedade europeia é outro mito, a que se agarrou a social-democracia/socialismo reformista para tentar mascarar a sua decadência ideológica. Mas não passa de uma ilusão, a "solidariedade europeia" está apenas ao serviço dos "mercados", não dos povos.
Maurice Allais criticou as políticas de mercado livre da UE, o tratado de Maastricht, previu a bolha imobiliária, opôs-se ao consenso de Washington e a todas as teses do neoliberalismo e monetarismo. Para M. Allais, contrariando as políticas da UE, "o mercado livre só é benéfico em circunstâncias especiais e os seus efeitos só são favoráveis entre regiões com níveis de desenvolvimento comparáveis". É uma evidência que mostra como na UE "o rei vai nu". Foi, apesar do seu prestígio, silenciado. A então jovem "estrela" do PSF, Jacques Atalli, conselheiro especial de Mitterrand, depois de Sarkozy, e algo parecido com F. Hollande (!); ele próprio se tornou financeiro, considerou estas ideias "estúpidas" e que "todos os obstáculos ao mercado livre são um fator que leva à recessão". Na realidade, com estes "inteligentes" a UE apenas conheceu recessão ou estagnação, desemprego e pobreza para níveis inqualificáveis.
3 – COMO CONCLUSÃO
Todas estas falácias soçobram perante as várias crises que simultaneamente o sistema traz ao mundo: a económica e financeira, a social, a ambiental, a militarista.
A eficiência capitalista é feita à custa da exploração imperialista e da troca desigual, da insegurança dos trabalhadores e da repressão, conduzindo a um processo de irreversível decadência; depredação ambiental e a expansão parasitária, estreitamente interrelacionadas.
As anémicas recuperações são seguidas de recaídas, a pobreza aumenta, os países capitalistas considerados mais ricos são Estados cada vez mais insolventes.
A social-democracia/socialismo reformista pretende resolver a crise económica e financeira – e apenas esta! – pelo empobrecimento da classe trabalhadora e a opção pelo militarismo (vide recentes resoluções na UE sobre o tema e a sua participação na agressão e desestabilização da Líbia, Síria, Ucrânia, para só mencionar estes).
O conceito de desenvolvimento opõe-se ao crescimento capitalista, baseia-se na maximização da eficiência económica tendo em conta os custos e benefícios sociais e não a maximização do lucro, o que só é possível com uma política não capitalista, visando a construção do socialismo.
1 – Ver De Carmona a Cavaco e à "salvação nacional"
2 – Recuperação para os 7 por cento , Paul Craig Roberts
3 – As máscaras do Estado capitalista, Avelãs Nunes, Ed. Avante, 2013.
4 – Atilio A. Boron, Socialismo para os ricos, mercado para os pobres ,
5 – European Competitiveness Report 2010, Brussels, 28.10.2010, SEC (2010) 1276, p.82.
6 – A crise económica mundial, a globalização e o Brasil, Edmilson Costa, Ed. ICP, 2013, p. 179.
7 – Maurice Allais (1911-2011) foi um liberal que se opôs totalmente ao neoliberalismo, sendo por isso marginalizado. Notável académico, recebeu o prémio (dito) Nobel de economia em 1988. Porém, praticamente, a partir daquela data apenas periódicos progressistas como o L' Humanité, publicaram seus textos. Allais opôs à especulação, à criação monetária pela banca, etc, no geral a todas as políticas económicas que hoje vigoram na UE. Sendo um defensor da comunidade europeia nunca admitiu a supressão sistemática das barreiras alfandegárias, atendendo aos desníveis económicos existentes. Nos seus estudos económicos fez entrar aspetos psicológicos, demonstrando a falsidade dos axiomas neoliberais. Uma das suas ideias interessantes foi a de opor-se ao "custo de oportunidade", mostrando que não se pode falar (em termos macroeconómicos) no custo de um bem ou de um serviço, mas sim do custo de uma decisão. O que nos leva, obviamente à avaliação no cálculo económico dos custos e benefícios sociais das decisões políticas. (ver mais em http://fr.wikipedia.org/wiki/Maurice_Allais#mw-navigation )
8 – The Death of Economics, Paul Ormerod, Faber and Faber, Londres, 1994, p.8