sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Sociologia e perspectivação científica



Ler capítulo anterior: O Que é a Sociologia? ( capítulo precedente )


PRIMEIRAS LIÇÕES DE SOCIOLOGIA
por: Philippe Riutort
tradução de: Eduardo de Freitas
Nº de páginas 140
Ano de edição 1999
ISBN: 972-662-692-7
Editora Gradiva

II. Sociologia e perspectivação científica
1. A constituição da sociologia como disciplina científica está estreitamente ligada à obra de Émile Durkheim, que define os princípios do método sociológico
De formação filosófica, Durkheim vira-se rapidamente para o estudo da vida social e procura dotar a sociologia de uma metodologia própria.

Na sua obra As Regras do Método Sociológico (1895) afirma que «os factos sociais devem ser tratados como coisas», o que significa que o sociólogo deve conservar uma certa distância relativamente ao seu objecto de estudo, a fim de afastar sistematicamente todas as prenoções, isto é, os preconceitos e as falsas evidências que ameaçam, em cada instante, introduzir-se na sua análise. O sociólogo, como todo o cientista, deve assim desconfiar da ilusão do saber imediato, visto que não é senão após ter construído previamente com rigor o seu objecto de estudo que se encontra em condições de fazer uma «descoberta».
De uma certa maneira, os obstáculos parecem mais consideráveis em sociologia e, em geral, nas ciências sociais (psicologia, antropologia, economia, ciência política ...) do que nas ciências da natureza. O estudo dos fenómenos sociais não constitui senão raramente um «monopólio» de facto para o sociólogo: a sua análise toma lugar entre um conjunto de intervenções (de homens políticos, de jornalistas, de administradores ... ou mesmo de todos em conjunto) que visam determinar quais são os «problemas sociais» do momento. Se o sociólogo não pode refugiar-se numa torre de marfim a fim de se isolar do mundo social que é suposto estudar, não pode também retomar à sua conta, sem crítica prévia, as questões colocadas por outros, com preocupações muito frequentemente afastadas do exclusivo intento de conhecimento científico.


Perguntar se «a classe operária está em vias de desaparecimento» ou circunscrever as causas do «mal-estar das áreas suburbanas» pode parecer legítimo, mas estes assuntos, encarados de um ponto de vista sociológico, necessitam de ser colocados de outro modo, posto que a linguagem empregue para descrever estas «realidades» sociais transporta já em si mesma todo um conjunto de «problemas» que o sociólogo se deve esforçar por desenredar. A questão do «fim da classe operária» obriga, com efeito, a uma interrogação prévia sobre as transformações desencadeadas no seio do mundo operário desde — pelo menos — a crise económica de 1974 (evolução numérica, transformação dos empregos operários, aparecimento durável de um desemprego de massa e mudanças na maneira de «viver» a condição operária). Convém igualmente focar retrospectivamente a diversidade do mundo operário francês (diferenças de estatuto, de qualificação, mas também particularidades ligadas às tradições locais, aos tipos de profissões), a fim de fazer voar em estilhaços a imagem de Épinal de uma «classe operária unida», a qual se precipitaria num «inexorável declínio» que impediria nomeadamente a captação das recomposições em curso. Quanto à «doença das áreas suburbanas», é preciso lembrar tudo quanto esta questão deve à encenação jornalística que estabelece demasiado frequentemente uma comparação «selvagem» entre a situação francesa e a situação americana, sendo suposto a primeira reproduzir o «modelo» da segunda. Se é verdade que certos «factos objectivos» se encontram tanto nas «áreas suburbanas francesas» como nos «guetos americanos» (forte presença de minorias étnicas, aumento sensível e rápido da população, nomeadamente juvenil, taxa de desemprego elevada), vários traços distinguem nitidamente os dois universos: uma diferença de dimensão de mais de um para dez que faz do gueto americano uma verdadeira «cidade», ao passo que o subúrbio francês permanece um bairro periférico; a segregação racial, que é uma característica maior do gueto enquanto a pluralidade étnica é geralmente a regra nas aglomerações suburbanas. Por outro lado, a amplitude da pobreza e da criminalidade e a degradação do quadro de vida atingem dimensões no gueto dificilmente imagináveis nas aglomerações suburbanas. Existe pois aqui uma diferença de natureza, e não somente de grau, entre as duas situações. É preciso portanto desconfiar das comparações apressadas, cujo objectivo (inconsciente?) consiste, na maior parte das vezes, em «dramatizar» um problema, o que leva muitas vezes ao seu obscurecimento sob a capa da simplificação.


O sociólogo arrisca pois a ver-se arrastado num terreno que não é o seu ao ceder à tentação do profetismo e, armado apenas com o «ar do tempo», acha-se transformado em arauto do futuro («A que se assemelhará a sociedade francesa no ano 2020?»). Faz então lembrar a cartomância e as suas «predições» são para apreciar com a maior prudência.
O sociólogo deve apetrechar-se metodologicamente a fim de afastar as falsas evidências e redefinir o problema que lhe é colocado a partir das suas próprias preo-cupações, isto é, com o intuito de produzir conhecimento. Émile Dukheim alertava já contra essses perigos, visando assegurar a ruptura com as prenoções. Defendeu designadamente o uso das estatísticas, assim como o recurso ao método da definição prévia, a fim de se ganhar distância relativamente às significações ordinárias de um fenómeno. Numa obra tornada um clássico da sociologia, O Suicídio (1897), Durkheim demonstra que este acto, que tem, aparentemente, todos os atributos do acto individual, obedece, na realidade, a regularidades sociais. Ele propõe, assim, uma definição prévia do suicídio apreendido como «qualquer caso de morte que resulta directa ou indirectamente de um acto positivo ou negativo, realizado pela própria vítima que sabe que o resultado se vai produzir». Ele inclui, por exemplo, no seu objecto de pesquisa o sacrifício do combatente ou do mártir e demarca-se deste modo da definição habitual de suicídio. Durkheim interessa-se, de facto, através deste estudo, pelo que designa como taxa social de suicídio, que mede «a relação entre o número global de mortes voluntárias e a população de qualquer idade e de ambos os sexos». A utilização de estatísticas permite-lhe assim verificar a regularidade da taxa de suicídio num período longo e cingir, a partir de variáveis tais como a idade, o sexo, o lugar de residência, a religião, o estado civil ..., as características sociais dos suicidados, a fim de explicar as determinações sociais que pesam sobre este acto.


• Uma outra via de ruptura possível com as prenoções consiste em realizar um inquérito no terreno. O sociólogo americano Samuel Stouffer, num estudo colectivo publicado em 1949 sobre o «soldado americano», faz notar um facto surpreendente: ainda que as oportunidades «objectivas» de promoção social sejam mais numerosas na aviação do que na polícia, as satisfações profissionais sentidas pelos agentes da polícia são mais importantes do que as dos da aviação. Assim, como escreveu o sociólogo americano Robert Merton, «quanto menos elevado é o ritmo de promoção, mais as pessoas têm opiniões favoráveis sobre as suas oportunidades de promoção». Este paradoxo revelado pelo inquérito suscitou o aparecimento de um novo conceito: a frustração relativa. Os analistas deram-se conta de que, na realidade, ao indivíduo não importa tanto a situação «objectiva» em que vive como as normas de seu grupo de referência, isto é, aquele com o qual o mesmo indivíduo se identifica duradouramente e que por vezes pode, de resto, diferir daquele a que realmente pertence. Uma promoção rápida não é verdadeiramente imaginável para aquele que pertence a uma organização (tal como a polícia nos Estados Unidos no momento do inquérito ao «soldado americano») no seio da qual as ascensões são habitualmente lentas e pouco frequentes. A mesma promoção é da ordem da evidência para aquele que evolui num grupo de forte mobilidade, tanto mais quanto ele for, por exemplo, fortemente escolarizado. Quando ela não se concretiza, o indivíduo sentirá uma certa frustração, posto que não serão satisfeitas as suas expectativas perante as normas em vigor no seu grupo de referência. A frustração social não está portanto necessariamente ligada a uma situação «objectiva», mas mais à percepção que dela se tem. Procede assim de um desencontro entre as esperanças forjadas pelos indivíduos e a situação que são levados a encontrar ulteriormente: esta teoria subestima o «senso comum», demonstrando que não são necessariamente os indivíduos colocados numa situação «objectivamente» mais desfavorável que vivem um sentimento de frustração e que podem ser levados, seguidamente, a manifestar o seu descontentamento.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

UMA LEITURA TEOLÓGICA DOS PROBLEMAS MODERNOS

" À luz do mesmo carácter moral, que é essencial ao desenvolvimento, devem ser considerados também os obstáculos que a ele se opõem. Se durante os anos decorridos desde a publicação da Encíclica de Paulo VI o desenvolvimento não se verificou — ou se verificou em medida escassa, irregular, se não mesmo contraditória — as razões não podem ser só de natureza económica. Como já se fez alusão, acima, intervêm nele também móbeis políticos. As decisões que impulsionam ou refreiam o desenvolvimento dos povos, outra coisa não são, efectivamente, senão factores de carácter político. Para superar os mecanismos perversos, já recordados, e substituí-los com outros novos, mais justos e mais conformes ao bem comum da humanidade, é necessária uma vontade política eficaz. Infelizmente, depois de se ter analisado a situação, é forçoso concluir que ela foi insuficiente." (ponto 35 - uma leitura Teológica dos problemas dos tempos modernos)

"A doutrina social da Igreja não é uma «terceira via» entre capitalismo liberalista e colectivismo marxista, nem sequer uma possível alternativa a outras soluções menos radicalmente contrapostas: ela constitui por si mesma uma categoria. Não é tampouco uma ideologia, mas a formulação acurada dos resultados de uma reflexão atenta sobre as complexas realidades da existência do homem, na sociedade e no contexto internacional, à luz da fé e da tradição eclesial. A sua finalidade principal é interpretar estas realidades, examinando a sua conformidade ou desconformidade com as linhas do ensinamento do Evangelho sobre o homem e sobre a sua vocação terrena e ao mesmo tempo transcendente; visa, pois, orientar o comportamento cristão. Ela pertence, por conseguinte, não ao dominio da ideologia, mas da teologia e especialmente da teologia moral." (ponto 41 - algumas orientações particulares )
João Paulo II - Encíclicas com Instrumento de Estudo Sollicitudo rei socialis

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

O QUE É A SOCIOLOGIA?


PRIMEIRAS LIÇÕES DE SOCIOLOGIA
por: Philippe Riutort


tradução de: Eduardo de Freitas
Nº de páginas 140
Ano de edição 1999
ISBN: 972-662-692-7
Editora Gradiva
O QUE É A SOCIOLOGIA?


A perspectiva da sociologia
Como se pode ser sociólogo?
A sociologia enquanto disciplina científica teve o seu aparecimento no decurso do século XIX. É precedida por múltiplos saberes saídos de diversas correntes do pensamento que procuram explicações e sobretudo «remédios» para os «problemas» ligados às transformações sociais de grande amplitude que atingiram as sociedades europeias a partir do fim do século XVIII. A emergência de «questões sociais» de um novo género gera assim o nascimento da sociologia, que, progressivamente, ao emancipar-se da filosofia social, formula as suas próprias interrogações de alcance científico, com a ajuda de princípios enunciados desde o fim do século passado pelos seus «pais fundadores».


I. A emergência da sociologia no século XIX

1. A sociologia surge enquanto disciplina científica no decurso do século XIX.
O século XIX é marcado na Europa por profundas mutações. As transformações políticas inscrevem-se no prolongamento da Revolução Francesa. O afundamento do Antigo Regime conduz a que fique em causa a ordem tradicional, fundada na monarquia absoluta, a divisão da sociedade em ordens, assim como o lugar central concedido à religião na vida social. A Revolução Francesa, ao proclamar a igualdade jurídica entre os cidadãos, põe em questão os fundamentos da ordem política. Esta não procede daí em diante da vontade do príncipe, posto que o absolutismo é recusado em nome da proclamação de novos princípios, tais como a liberdade, a razão, o progresso ... As transformações económicas e sociais estão ligadas à revolução industrial, que, do fim do século XVIII ao princípio do século XIX, com origem na Grã-Bretanha, ganha progressivamente os outros países europeus e, seguidamente, os Estados Unidos e o Japão. Caracteriza-se pela passagem de uma sociedade rural a uma sociedade urbana, o que arrasta uma profunda mudança das estruturas sociais existentes (desaparecimento progressivo, por exemplo, das solidariedades camponesas fundadas num conjunto de tradições e de práticas de sociabilidade tais como as festas populares, os ritos de passagem ...). O sociólogo alemão Ferdinand Tönnies (1855-1936) sublinha, em 1887, a oposição entre dois tipos de organização social: a comunidade e a sociedade. A primeira, dominada pelos vínculos tradicionais, a afectividade e o espírito de grupo, apoia-se principalmente na família e nas solidariedades locais, enquanto a segunda, que assenta mais no interesse individual, no cálculo e nas relações impessoais, tende a impor-se no seio da sociedade industrial.
Em paralelo, a revolução agrícola realizada no decurso do século xviii permite progressivamente às actividades industriais beneficiar de um afluxo de mão-de-obra. O desenvolvimento da indústia acompanha-se, com efeito, de uma urbanização maciça que provém sobretudo do êxodo rural. A organização da sociedade encontra-se então profundamente transformada, o que modifica sensivelmente os «equilíbrios» estabelecidos entre grupos sociais: assiste-se, assim, no decurso do processo de urbanização, à formação da classe operária, ao crecimento contínuo da burguesia, assim como ao declínio relativo da nobreza.
Os principais sociólogos do século XIX interrogam--se sobre a amplitude das transformações das sociedades europeias que se desenrolam sob os seus olhos no momento em que concebem as suas obras. O pensamento de três figuras centrais da sociologia do século XIX e do início do século XX estão profundamente impregnados disso mesmo.
Émile Durkheim (1858-1917), fundador da escola francesa de sociologia, preocupado com os fundamentos da coesão social e da sua evolução, estuda assim a passagem da solidariedade mecânica, fundada na similitude, característica das sociedades tradicionais, à solidariedade orgânica, fundada na complementaridade e produzida pelo processo de divisão do trabalho, que se afirma na sociedade industrial.
Karl Marx (1818-1883), militante revolucionário, filósofo, economista, mas igualmente sociólogo, ao tornar-se o teórico de um socialismo que anuncia como científico, interessa-se pelo processo de desenvolvimento capitalista e tenta revelar as suas contradições internas, insistindo particularmente nas oposições de classe, segundo ele, inelutáveis no seio da sociedade capitalista e que prefiguram o advento de uma sociedade sem classes: a sociedade comunista.
Max Weber (1864-1920), um dos primeiros e dos principais sociólogos alemães, abre o caminho à sociologia comparativa ao interrogar-se sobre as particularidades da civilização ocidental, caracterizada, segundo ele, por um processo de racionalização ou, segundo a sua célebre fórmula, de «desencantamento do mundo», que é traduzido pelo recurso crescente à previsão e ao cálculo, assim como ao abandono progressivo dos impulos mágicos no conjunto dos domínios da vida social: da ciência à arte, passando pela religião, pelo poder político e pela economia.
Se as obras dos principais sociólogos do século XIX e do início do século XX dão testemunho das preocupações sociais do seu tempo, elas sustentam-se igualmente num saber prévio, que se prende já ao desencadear de conhecimentos, a partir de uma observação minuciosa da sociedade.


2. Um saber sobre a sociedade anterior à sociologia
A sociologia nascente enquanto disciplina constituída não poderia emergir dos cérebros de alguns «inventores». Todo um conjunto de interrogações precedem ou acompanham o seu aparecimento. O exercício que consiste em determinar com precisão as origens da sociologia parece vão, posto que reverteria, ao lançar-se numa pesquisa interminável, em fazer surgir o seu aparecimento num passado sempre mais longínquo («Há em germe um pensamento sociológico em Platão?», com os riscos de anacronismo que esta questão recobre). É no entanto útil insistir sobre diferentes questionamentos, a maior parte anteriores à afirmação da disciplina sociológica e que, embora distintos em numerosos pontos, partilham o desejo da descoberta de princípios que regem a organização da vida em socie- dade.
• Vários autores tradicionalistas, do escritor britânico Edmund Burke (1729-1797) aos autores franceses Joseph de Maistre (1753-1821) e Louis de Bonald (1754-1840), criticam o individualismo proclamado pela Revolução Francesa, que é tido por uma pura abstracção vazia de sentido, visto que, segundo eles, a sociedade não poderia proceder apenas da razão, insensível às redes de relações concretas que encerram o indivíduo numa comunidade de pertença. A corrente tradicionalista interessa à sociologia, pois vai dar lugar, a partir de uma visão critíca — simultaneamente da Revolução Francesa e da industrialização —, a vastos inquéritos: a obra de Frédéric Le Play (1806-1882), que foi engenheiro e senador sob o Segundo Império (1867), em particular Os Operários Europeus (1885), caracteriza-se por uma viva preocupação de descrição das condições de vida dos meios populares e desemboca na realização de monografias1.

Trata-se, praticando-se a observação directa, de reunir um grande número de factos que dão conta das condições de existência da vida operária. O trabalho de Le Play, apoiando-se em amplos inquéritos no terreno, abre a porta ao método etnográfico, que visa a recolha de um conjunto de informações sobre uma dada população e permite realizar comparações no tempo e no espaço. Esta perspectiva não é todavia redutível à sua dimensão qualitativa, posto que tenta igualmente quantificar os dados recolhidos: Le Play procura, com efeito, por meio dos seus inquéritos, estabelecer um instrumento de medida objectivo, como o orçamento familiar, que ele utiliza como indicador do modo de vida operário e das suas transformações. A obra de Le Play permanece no entanto essencialmente preocupada com um projecto global de Reforma Social, em conformidade com o título da sua obra surgida em 1864, que preconiza o reforço das estruturas familiares, particularmente da família alargada (que reúne sob o mesmo tecto o pai, a mãe, o rapaz herdeiro, a sua mulher, os seus filhos e os outros parentes celibatários), e promove o paternalismo (a colaboração entre patrões e operários), assim como o respeito absoluto pela propriedade privada.
• A «questão social» que designava no século XIX o conjunto de problemas ligados ao aparecimento do mundo operário dá lugar a uma corrente crítica da industrialização, o «socialismo utópico», encarnado em França por Claude-Henri de Saint-Simon (1760-1825), Charles Fourier (1772-1837) e Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865). Preocupa igualmente as camadas dirigentes: a concentração de uma população miserável nas cidades desencadeia os medos relacionados com a promiscuidade. Numerosos estudos são assim realizados pelos poderes públicos e pelas sociedades científicas a fim de circunscrever essa população «com problemas»: um dos inquéritos mais importantes foi conduzido pelo Dr. Villermé, que, no Quadro do Estado Físico e Moral dos Operários Empregados nas Manufacturas de Algodão, de Lã e de Seda (1840), traça um retrato sem complacência da condição operária.
• A sociologia nascente é igualmente influenciada por uma outra tradição que se inscreve no racionalismo saído das Luzes: concretiza-se a partir da observação de Montesquieu (1869-1755), que, no Espírito das Leis (1748), proclama não ter retirado os seus princípios dos seus preconceitos, mas da natureza das coisas, desejando consagrar-se «ao que é, e não ao que deve ser», assim como dos trabalhos de Condorcet (1743-1794), que, no seu Esboço de Um Quadro Histórico dos Progressos do Espírito Humano (1793) introduz a «matemática social», isto é, a elaboração de leis científicas fundadas na observação das regularidades estatísticas. Os progressos realizados, a partir do início da século XIX, pela estatística, primitivamente encarregue, em nome do estado, da demografia (o recenseamento da população), permitem-lhe ganhar novos domínios. Tomando a designação de «estatística moral», estende-se tanto à economia, a fim de avaliar os recursos potenciais do estado, como às questões judiciárias: a estatística judiciária conhece assim um desenvolvimento fulgurante em França com a implantação, a partir de 1827, da Contabilidade Geral da Administração da Justiça e com os trabalhos de Gabriel Tarde (1843-1904). O matemático, astrónomo e estatístico belga Adolphe Quetelet (1796-1874) tenta igualmente analisar o que designa como «propensão para o crime» e sua distribuição na sociedade com a ajuda de séries estatísticas destinadas a medir-lhe a permanência.
Na encruzilhada destas diferentes tradições emerge a corrente positivista, que se caracteriza, segundo os termos do seu principal representante, Auguste Comte (1798-1857), por uma recusa do «espírito metafísico». Para o positivismo, com efeito, nenhum conhecimento pode proceder a não ser da observação e da experiência. Comte, que foi o inventor do termo «sociologia», fala igualmente de «física social» para designar o estudo «científico» do mundo social, posto que, confiando nos progressos da ciência, entende que a sociologia pode atingir num futuro próximo o rigor das «ciências da natureza». Enuncia assim a lei dos três estados, segundo a qual o desenvolvimento da humanidade passaria por três fases sucessivas.
O estado teológico é dominado pelo sobrenatural e corresponde historicamente à Idade Média.
O estado metafísico está marcado pelo aparecimento de princípios abstractos que enunciam uma ideia geral do homem e triunfam sob a Revolução francesa.
O estado positivo corresponde à fase de maturidade caracterizada, aquando do aparecimento da sociedade industrial, pela descoberta, graças à observação científica, dos princípios organizadores da sociedade.
Se o pensamento de Comte, profundamente evolucionista (a humanidade é suposta evoluir por etapas, cada uma das quais constituiria um progresso relativamente à precedente), foi criticado neste ponto, a sua preocupação em dotar a sociologia de bases científicas constitui um contributo considerável, tendo sido notável a sua influência sobre a sociologia francesa nascente e em particular sobre Émile Durkheim.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Análise Orientada do Texto “As Regras do Método Sociológico – E. Durkheim

Descrever o “indivíduo X Colectivo” na teoria de Durkheim:

Para Durkheim, o indivíduo - visto de maneira isolada - não pode ser considerado objecto ideal para o estudo da Sociologia, sendo, portanto, um elemento inadequado para o estudo e a compreensão apropriada do conceito de “facto social”. O que realmente interessa à vertente durkheimiana é o enfoque no indivíduo inserido no contexto de uma realidade social objectiva que, encontrando-se acima dele em termos de prioridade, caracteriza-se por ser eminentemente grupal - e, por conseguinte, colectiva. Durkheim foi um dos pioneiros na análise dos factores coercitivos que levam o indivíduo, desde cedo, a moldar-se segundo os parâmetros historicamente impostos pelo grupo social ao qual pertence, ou melhor, no qual se encontra circunstancialmente inserido.


Esta estruturação do indivíduo segundo padrões pré-estabelecidos e exteriores ao próprio, perpassa pelo psicológico, pelo moral, pelos hábitos e costumes, pelo comportamento, enfim, por toda cultura. Tal processo é, até certo ponto, inconsciente, e será determinante no sentido de conferir um maior ou menor engajamento social (ou comprometimento) do indivíduo nos processos colectivos que permeiam as actividade sociais. Durkheim preocupa-se em analisar a maneira pela qual o meio social, através de aparelhos de coerção e da própria instituição educativa, contribui para regular, controlar e moldar permanentemente o comportamento individual, tornando os processos colectivos aparentemente harmónicos e estáveis. O processo de coerção (ou de conversão) do indivíduo acontece desde cedo, sendo primordial para a garantia da coexistência pacífica entre os indivíduos que, por sua vez, tornará possível uma convivência colectiva estável e pacífica.


Segundo o autor no seu livro “As Regras do Método Sociológico”:“(...) o devoto, ao nascer, encontra prontas as crenças e as práticas da vida religiosa; as quais existindo antes dele, é porque existem fora dele. O sistema de sinais de que me sirvo para exprimir pensamentos, o sistema de moedas que emprego para pagar dívidas, os instrumentos de crédito que utilizo nas relações comerciais, (...), etc, funcionam independentemente do uso que faço delas. (...). Estamos, pois, diante de maneiras de agir, de pensar e de sentir que apresentam a propriedade marcante de existir fora das consciências individuais”. – e, portanto, independente das mesmas. Por este motivo, para Durkheim, os processos colectivos, em termos de análise académica, possuem uma incontestável primazia sobre os indivíduos que, por sua vez, são obrigados a orbitar, desde o berço, em torno de algo naturalmente imposto que se apresenta mais forte que cada um deles; algo que, regulando e moldando permanentemente as suas vontades individuais (pejorativamente tachadas de egoísmo, individualismo, etc), permite a convivência – mesmo que conflituosa - do homem em sociedade. O custo psicológico para o indivíduo resume-se basicamente ao controlo dos seus impulsos individuais – talvez algum dia ainda venha a existir uma sociedade em que valha a pena chamar este “custo” (ou perda) de “investimento natural e necessário”. Porém, cabe frisar que a análise de Durkheim é sociológica colectiva, e não psicológica individual. Para Durkheim, qualquer conflito precisa ser superado.


2) Quando o indivíduo entra na Sociedade para Durkheim? (teoria da socialização).Segundo o autor na obra que analisamos: “Toda a educação consiste num esforço contínuo para impor às crianças maneiras [adequadas] de ver, sentir e agir às quais elas [supostamente] não chegariam espontaneamente – (...). Desde os primeiros anos de vida, são as crianças forçadas a beber comer e dormir em horários regulares; são constrangidas a terem hábitos higiénicos, a serem calmas e obedientes; mais tarde, obrigamo-las a aprender a pensar nos demais, a respeitar usos e conveniências; forçamo-las ao trabalho, etc. (...)”. E, a seguir, ainda no mesmo parágrafo:“(...) a educação tem justamente por objeto formar o ser social; pode-se então perceber, (...), de que maneira este se constitui através da história. A pressão de todos os instantes que sofre a criança é a própria pressão do meio social tendendo [permanentemente] a moldá-la à sua imagem e semelhança.” Portanto, baseado neste trecho escrito por Durkheim, pode-se observar que, segundo o próprio autor, o indivíduo ingressa na sociedade no momento em que, dentro dela, nasce. No mesmo instante de seu nascimento, ele já começa a ser moldado pelas instituições que compõem a sociedade: primeiramente, o indivíduo sofre influência da própria família(caso possua uma); depois, mais tarde, de seu bairro, município, de sua escola, etc. A partir daí, o indivíduo assimila (ou não), os hábitos, a moral, os costumes, enfim, toda forma de lei não escrita que rege a convivência do seu grupo. Geralmente, o indivíduo procura agregar as regras do grupo ao seu sistema individual de valores, procurando agir em conformidade com o grupo, pois sabe que estará às margens do mesmo se assim não o fizer. Quando o processo acima mencionado não chega a acontecer adequadamente, o indivíduo marginaliza-se em relação aos processos sociais colectivos. Para Durkheim, este facto é considerado um suicídio social, que acaba levando o indivíduo ao suicídio de facto. O autor não confere o enfoque puramente psicológico ao facto de alguém se suicidar, pois, como a sua análise dos factos é sociológica, ele busca uma fundamentação social e colectiva para as manifestações suicidas individuais: o suicida, por algum motivo dentro de seu grupo, se mata por se encontrar às margens da sociedade, por não ter encontrado identificação no seio grupal e, por isto, encontra-se solitário e isolado.


3) O que é “facto social” e o que o caracteriza? O facto social encontra-se intrinsecamente relacionado aos processos culturais, hábitos e costumes colectivos de um determinado grupo de indivíduos ou sociedade. Tais elementos, além de conferirem unidade e identidade ao grupo social, servem de controlo e parâmetros às actividades individuais que, em princípio, não devem causar desarmonia no corpo social, ou melhor, na convivência oriunda das relações individuais.O facto social precisa pertencer ao histórico grupal, encontrando-se igualmente relacionado com a maneira de pensar, sentir e agir colectiva do homem. São justamente estes elementos - o pensar, sentir e agir peculiares a cada grupo - que irão permear a ideologia do mesmo. Isto não implica na inexistência de conflitos. Numa sociedade complexa, vários grupos podem existir e, por conseguinte, diversas ideologias diferentes podem coexistir dentro de uma mesma cultura. Daí, num ambiente complexo de pluralidade cultural, existe maior possibilidade de geração de conflitos originados de idéias antagónicas. Assim, sempre que existe o conflito, a ideologia dominante tenta (geralmente com muito sucesso) disseminar um falso ar de estabilidade, igualdade e permanente harmonia, mascarando as realidades sociais. Caso este mecanismo não funcione, tem-se a coerção policial... A ideologia dominante, vista como um conjunto de formas cristalizadas de pensa, sentir e agir das elites hegemonicas, funciona - em nível simbólico e imaginário - como uma espécie de anestésico no sentido em conter a dor da necessária repressão dos desejos individuais. Esta repressão viabilizará a convivência grupal – aparentemente harmonica. A ideologia do grupo, portanto, serve como um amortecedor para os desejos individuais, procurando conciliá-los, sempre que possível , aos interesses colectivos (ou ditoscoletivos) que, estando acima dos interesses individuais ou oligárquicos, deveriam, por sua vez, serem capazes de promover o bem comum, ou o bem geral. Como exemplo de facto social, podemos citar: a ascensão, na década de 30, no século passado, dos regimes de cunho Nacional Socialista na Alemanha de Hitler e na Itália fascista de Moussolinni; e, mais próximo ao nosso tempo e ao nosso contexto histórico: o movimento pelas “Directas Já”, em 1985, promovido por vários sectores da sociedade civil e pelo povo brasileiro, que retomou o rumo democrático de nosso país após 20 anos de ditadura militar.Portanto, outro factor que caracteriza um facto social é a sua aceitabilidade por parte da maioria, por parte do próprio colectivo dentro da sociedade. Esta aceitação é o produto de uma maneira peculiar e circunstancial de pensar, sentir e agir de um grupo, num dado momento histórico e contexto social. O acontecimento de um facto considerado social é um fenómeno colectivo que requer a aceitação do da maioria, o que não deve necessariamente ser confundido com consenso geral, posto que, em sociedades mais complexas, os conflitos e oposições de idéias devem ser considerados elementos naturais na dialética das relações interpessoais do ser humano – relações estas que permeiam nossa vida colectiva quotidiana.


Professor Elias Celso Galvêas in A Sociologia de Émile Durkheim

O Suicidio - trailler do filme inspirado na obra de Durkheim

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