sábado, 23 de maio de 2009

A Construção Social da Realidade ( I I )

Resumo do livro
A Construção Social da Realidade ( II )

Autores: Thomas Luckman; Peter Berger
Editora: VOZES
Assunto: CIENCIAS SOCIAIS-SOCIOLOGIA
ISBN : 8532605982
ISBN-13: 9788532605986
Livro em português
26ª Edição - 2006 - 247 pág.


Os fundamentos do conhecimento na vida quotidiana

2.1) A realidade da vida quotidiana
O mundo da vida quotidiana é objecto de uma interpretação dos homens que lhe conferem sigificado e sentido;

Análise fenomenológica dos pressupostos do conhecimento na vida quotidiana

a) Intencionalidade da consciência
A consciência dirige-se sempre para objectos (físicos ou interiores) de forma intencional.

b) Os diferentes níveis da realidade
A consciência participa de de esferas diferentes da realidade - ex. a transição do sonho para o despertar.

c) A realidade predominante - a vida quotidiana
Esta realidade aparece à consciência geograficamente determinada e simbolicamente ordenada pela linguagem;
A presença imediata, espácio-temporalmente enquadrada, na realidade da vida quotidiana constitui o centro de atenção da consciência;
A consciência experimenta a vida quotidiana em graus diferentes de aproximação e distância.

d) A intersubjectividade da realidade
A realidade existe para várias consciências ao mesmo tempo;
A existência de conceitos e significados nessa realidade tornam-na inteligível para um conhecimento comum a várias consciências ;
As perspectivas pessoais acerca dessa realidade divergem de uma consciência para a outra.

e) A imposição da realidade da vida quotidiana
A realidade da vida quotidiana impõe-se a si mesma, isto é, ela é independente da consciência que a atinge;
Esta realidade afirma-se perante a consciência como real, ou seja, existente de facto;
A consciência é envolvida numa rotina dentro da vida quotidiana;
A interrupção dessa rotina abre um sector problemático na reallidade de uma consciência;
O senso comum procura integrar esses sectores problemáticos na realidade da vida quotidiana.

f) As realidades secundárias
A consciência, apesar de envolvida numa só realidade, insere-se noutros níveis ou campos finitos dessa realidade;
A atenção foca-se num aspecto particular e como que entra noutro mundo - ex. cinema, teatro, sonhos;
A consciência retorna sempre à realidade predominante (vida quotidiana).

g) A estrutura espácio-temporal do real
Em termos espaciais, o facto mais relevante é a inter-relação social entre as várias consciências;
A estrutura temporal articula-se em tempo universal, estabelecido socialmente no calendário humano, e o tempo interior e subjectivo de uma consciência.

2.2) A interação social na vida quotidiana

O relacionamento social
O face a face com o outro é a principal forma de relacionamento social, em que duas consciências se apreendem mutuamente através de uma reciprocidade de expressões subjectivas;
A presença do outro é uma realidade que se impõe por si mesma e é contínuamente acessível a uma consciência;
As formas de relacionamento consistem em esquemas tipificados - vendedor/comprador, aluno/professor;
O interesse e a intimidade determinam o grau de anonimato ou proximidade da relação entre consciências, podendo essa relação ser tipificada em termos abstractos - "opinião pública" - ou de acção recíproca face a face - o circulo interior de uma pessoa;
A estrutura social corresponde ao conjunto de relações tipificadas da vida quotidiana, bem como à relação estabelecida entre os contemporãneos e os seus antepassados e os seus sucessores.

2.3)A linguagem e o conhecimento na vida quotidiana

A objectivação da expressividade humana
As atitudes subjectivas de uma consciência podem ser expressas directamente na relação face a face - ex. quando alguém exterioriza um comportamento agressivo - ou indirectamente através da objectivação desse sentimento por meio de um produto da actividade humana - ex. uma faca é um indício de intenção subjectiva violenta;

Os sinais e os sistemas de sinais
Podem simbolizar um determinado tipo de sentimento, sem estarem relacionados com a intenção do sujeito, ou então, expressar concretamente uma intenção subjectiva -linguagem;
Numa conversa entre duas consciências, estas subjectividades tornam-se recíprocamente acessíveis;
A objectivação linguística é a principal forma de apreensão de uma consciência por outra, ou até mesmo de uma consciência por si mesmo (auto-reflexão).

O enquadramento social da linguagem
A linguagem é um sistema de sinais objectivos cujo significado está intimamente ligado ao senso comum;
Os padrões da linguagem e as suas categorias impõem-se à consciência, já que ela tipifica comportamentos e experiências conferindo-lhes um conteúdo comum a todos os indivíduos.

A transcendência da linguagem
A linguagem, apesar de estar relacionada com o contexto social, transcende a dimensão espacial, temporal e social da realidade;
A linguagem torna presentes realidades que estão ausentes do presente e do espaço ocupado por uma consciência;
As diferentes esferas da realidade são abordadas por sistemas de linguagem simbólica - arte, filosofia, ciência, religião, etc. -que afloram regiões inacessíveis à experiência quotidiana.

A objectivação linguística
A linguagem qualifica os objectos e ordena as experiências sociais mediante o seu campo específico;
A objectivação linguística permite conservar e acumular expriências que representam um acrescentamento ao conhecimento comum da vida quotidiana;
O conhecimento receitado procura dar respostas às questões pragmáticas da vida corrente.

O capital social do conhecimento
O conhecimento diferencia a realidade de acordo com o envolvimento de um sujeito na sua área de ocupação específica ou geral;
A rotina da vida quotidiana é tipificada em esquemas resultantes das experiências sociais e naturais, aceites como certos;
O conhecimento da vida quotidiana é instrumento de orientação do indivíduo, quer no dia-a-dia, quer na multiplicidade de realidades com que é confrontado.

As conveniências do conhecimento e a sua distribuição social
O conhecimento é determinado por estruturas da consciência relativamente a interesses pragmáticos;
Os indivíduos cruzam-se na sociedade em função destas conveniências - médico/ /paciente, advogado/cliente;
O conhecimento encontra-se socialmente distribuido em sistemas complexos e especializados - ex. medicina;
O conhecimento da distribuição social do conhecimento constitui também um elemento do conhecimento da vida quotidiana.

A Construção Social da Realidade ( I )

Resumo do livro
A Construção Social da Realidade ( I )

Autores: Thomas Luckman; Peter Berger

Editora: VOZES
Assunto: CIENCIAS SOCIAIS-SOCIOLOGIA
ISBN : 8532605982
ISBN-13: 9788532605986
Livro em português
26ª Edição - 2006 - 247 pág.


O problema da sociologia do conhecimento

Introdução
1.1) Sociologia, filosofia e senso comum - a relatividade social
A sociologia, a filosofia e o senso comum ocupam-se da interpretação dos factos de acordo com um determinado ponto de vista predominante;
O senso comum ocupa-se com questões práticas do dia-a-dia;
A sociologia procura interpretar estas concepçoês e compreender a sua relatividade e mutabilidade de sociedade para sociedade.

1.2) Panorâmica histórica da sociologia do conhecimento
O termo "sociologia do conhecimento" foi utilizado pela primeira vez por Max Scheler, filósofo Alemão, na década de 1920;
A interpretação da natureza e âmbito da sociologia do conhecimento difere de autor para autor, mas podemos reconhecer-lhes em comum o facto de a disciplina ocupar-se das relações entre o pensamento e o contexto social em que se insere;
O contexto cultural alemão foi de importância crucial no desenvolvimento da disciplina.

1.3) A influência Marxista, Nitzcheneana e historicista
Independentemente da controvérsia em redor da interpretação da obra de Marx, podemos dizer que o seu contributo mais importante diz respeito aos conceitos de infra-estrutura e superestrutura, bem como a teoria que afirma que a conciência do homem é determinada pelo seu ser social;
O anti-idealismo de Nietzche introduziu novas perspectivas à sociologia do conhecimento, principalmente pelas suas teorias de sobrevivência e poder, assim como as ideias relativas à falsa consciência e ao ressentimento;
O historicismo (Wilhelm Dilthey) insere a concepção do necessário enquadramento histórico do pensamento humano, ou seja, do situamento social e histórico do pensamento.

1.4) Scheller - o aproveitamento filosófico da sociologia do conhecimento
Scheller introduz de forma tacteante a sociologia do conhecimento quando procura fundamentar uma antropologia filosófica através da identificação dos ideais de uma determinada formação económica;
É um método negativo já que, apesar de identificar essas ideias, não as relaciona com o seu contexto sócio-histórico e nega assim a possibilidade de investigação sociológica.

1.5) Mannheim - a extensão do campo da sociologia do conhecimento
Este autor acrescenta, em relação a Scheller, a validade da sociologia do conhecimento na compreensão do contexto social da formação das ideias;
O fundamento social das ideias (superestrutura) constitui uma extensão do campo de estudo da sociologia do conhecimento.

1.6) Crítica à concepção da sociologia do conhecimento
A sociologia do conhecimento ocupou-se principalmente de questões epistemológicas dentro da esfera das ideias;
Independentemente da pertinência e validade destas questoês, elas enquadram-se no campo da metodologia das ciências sociais;
As questões metodológicas e epistemológicas devem ser excluidas da análise da sociologia do conhecimento.

1.7) Redefinição da sociologia do conhecimento
A sociologia do conhecimento deve estudar todo o tipo de conhecimento;
Para além do plano ideológico o seu campo de estudo deve ser fundamentalmente o conhecimento dos homens acerca da realidade do dia-a-dia;
O tratamento deste conhecimento (senso comum) deve constituir a principal tarefa da sociologia do conhecimento

Conclusão
A sociologia do conhecimento é o estudo da construção social da realidade;
Compreender os factos sociais na sua vertente objectiva e subjectiva constitui o propósito da investigação da maneira pela qual uma determinada realidade é construida.


quarta-feira, 20 de maio de 2009

terça-feira, 19 de maio de 2009

A Representação do EU na vida cotidiana



Do título original, "The Presentation of Self in Everyday Life" de Erving Goffman, aparecem em português traduções diferentes, como a que aqui é apresentada neste clip, "A Representação do Eu, na Vida Cotidiana", que aparece em edições brasileiras, e " A Apresentação do Eu, na vida de Todos os Dias" que aparece em edições portuguesas. A segunda está mais correcta, porque efectivamente "presentation" é "apresentação" e não "representação".

Relativamente a este vídeo clip, considero que é bom o propósito dado que transmite a mensagem pretendida, embora a qualidade do som seja fraca, os autores estão de parabéns pelo trabalho. Segundo o autor este vídeo representa o drama de Wellington, que deseja ser aceite pelo grupo e o drama que o mesmo passa para adaptar a sua vida para entrar no referido grupo de amigos! Wellington passa por momentos de rejeição, mas vai fazer tudo e encontrar maneira de ser aceite e não ser rejeitado. Observando a aceitação do individuo perante as exigências de definição do grupo, percebe-se a importância da apreensão de informação, na leitura e interpretação dos sinais que esse mesmo individuo, vai obter dos demais, é com base nesta capacidade de interpretar os sinais, que o indivíduo projecta as suas acções. A sua postura inicial, a sua apresentação impossibilita-o de ser próximo e de se integrar, com o continuar da interação, este estado inicial é alterado e o individuo, vai de encontro às expectativas do grupo.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Goffman, Erving (1929 - 1982 )

Erving Goffman nasceu em Manville, Alberta – Canadá em 11 de Junho de 1922 e faleceu em Filadélfia no Estado da Pensilvânia nos Estados Unidos da América no dia 19 de Novembro de 1982. Obteve o grau de bacharel pela Universidade de Toronto em 1945, tendo obtido os graus de mestre em 1949 e o de Doutor em 1953 na Universidade de Chicago, onde estudou tanto Sociologia como Antropologia Social. Em 1958 passou a integrar o corpo docente da Universidade da Califórnia em Berkeley, tendo sido promovido a Professor Titular em 1962. Ingressou na Universidade da Pensilvânia em 1968, onde foi professor de Antropologia e Sociologia. Em 1977 obteve o prémio Guggenheim. Foi presidente da Sociedade Americana de Sociologia, em 1981-1982. Efectuou pesquisas na linha da sociologia interpretativa e cultural, iniciada por Max Weber. Em La mise en scène de la vie quotidienne, Goffman desenvolve a ideia que mais identifica a sua obra: o mundo é um teatro e cada um de nós, individualmente ou em grupo, teatraliza ou é actor consoante as circunstâncias em que nos encontremos, marcados por rituais posições distintivas relativamente a outros indivíduos ou grupos. Goffman aplicou ao estudo da civilização moderna os mesmos métodos de observação da antropologia cultural: assim como, nas sociedades indígenas, há ritualizações que permitem distinguir indivíduos e grupos, também, nas sociedades contemporâneas, a origem regional, a pertença a uma classe social ou quaisquer outras categorias se marcam por ritualizações que distinguem indivíduos e grupos, tomando por exemplo pequenos aspectos, como as formas de vestir ou de se apresentar publicamente. No contexto descrito, Goffman considera a interacção como um processo fundamental de identificação e de diferenciação dos indivíduos e grupos; de resto, os mesmos, isoladamente, não existem; só existem e procuram uma posição de diferença pela afirmação, na medida em que, justamente, são "valorizados" por outros.

Bibliografia:
Dicionário de Sociologia, (2004). 1ª ed. Porto, Portugal: Porto Editora, ISBN 972-0-05273-2
Magill's Guide to 20th Century Autores (1997) Salem Press, Pasadena, CA
Ver também:
Erving Goffman Biography

segunda-feira, 11 de maio de 2009

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Operário em Construção


Era ele que erguia casas
Onde antes so' havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as asas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Nao sabia por exemplo
Que a casa de um homem e' um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa quer ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.


De fato como podia
Um operário em construção
Compreender porque um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pa', cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento


Alem uma igreja, à frente
Um quatel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Nao fosse eventuialmente
Um operário em contrucão.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
`A mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma subita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão
Era ele quem fazia
Ele, um humilde operário
Um operario em construção.
Olhou em torno: a gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.


Ah, homens de pensamento
Nao sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua propria mao
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que nao havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.


Foi dentro dessa compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu tambem o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele nao cresceu em vão
Pois alem do que sabia
- Excercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.


E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edificio em construção
Que sempre dizia "sim"
Comecam a dizer "não"
E aprendeu a notar coisas
A que nao dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uisque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pes andarilhjos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.


E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução


Como era de se esperar
As bocas da delação
Comecaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão
Mas o patrão nao queria
Nenhuma preocupação.
- "Convencam-no" do contrário
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isto sorria.


Dia seguinte o operário
Ao sair da construção
Viu-se subito cercado
Dos homens da delação
E sofreu por destinado
Sua primeira agressão
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!


Em vao sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras seguiram
Muitas outras seguirão
Porem, por imprescindivel
Ao edificio em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.


Sentindo que a violência
Nao dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobra-lo de modo contrário
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher
Portanto, tudo o que ves
Sera' teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.


Disse e fitou o operário
Que olhava e refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria
O operário via casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão
Nao ves o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Nao podes dar-me o que e' meu.


E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martirios
Um silêncio de prisão.
Um siêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silencio apavorado
Com o medo em solidão
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão
Uma esperanca sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razao porem que fizera
Em operário construido
O operário em construção


Vinícius de Moraes
imagem-internet

sexta-feira, 1 de maio de 2009

CiberSexualidades

Alguns indivíduos desejam sujeitar ou reprimir fisicamente outros indivíduos para a sua própria excitação sexual ou para a excitação dos seus parceiros. Reciprocamente, outros indivíduos desejam ser fisicamente sujeitados ou reprimidos para a sua própria excitação sexual ou para a excitação dos seus parceiros. O conjunto destes desejos é chamado sexual bondage ou submissão sexual: o uso de dispositivos ou materiais fisicamente repressores no comportamento sexual que têm significação sexual pelo menos para um dos parceiros. O comportamento autocrático também pode incluir elementos de sexual bondage. Antes do advento da Internet, os indivíduos que praticavam estas práticas sexuais formavam "clubes" e "friendship networks" e algumas destas sociedades publicavam "newsletters" e magazines contendo informação, artigos típicos e anúncios pessoais. No momento presente, a Internet Sexual facilita estes contactos entre indivíduos de todo o mundo interessados na sexual bondage, bem como outras variantes de comportamento sexual relacionadas. Na linguagem da subcultura bondage, a sexual bondage é frequentemente chamada B & D (Bondage and Discipline), sendo distinguida da D & S (Dominance and Submission) e da S & M (Sadomasochism). Diversos estudos mostram que a sexual bondage pode coexistir com outras variantes do comportamento sexual, tais como sadomasoquismo (Spengler, 1977), travestismo (Blanchard & Heecker, 1991), asfixia auto-erótica (Blanchard & Heecker, 1991; Innala & Ernulf, 1989) e homossexualidade (Townsend, 1983).
Em termos muito gerais, podemos dizer que D & S é usado frequentemente como um quadro-geral que inclui os outros termos, bem como um conjunto de outras variantes sexuais, tais como fetichismo e travestismo, quando os comportamentos sexuais implicam a troca ou mudança de poder (exchange of power). No seu sentido restrito, B & D refere-se ao uso no comportamento sexual de materiais ou dispositivos fisicamente restritivos, ou à utilização de ordens (commands) psicologicamente restritivas. Estas ordens podem impor obediência, servidão ou escravidão, sem induzir dor física. Também pode envolver alguma punição física, a qual é distinta da sadomasoquismo, porque a punição não é imposta para induzir dor física, mas como expressão de disciplina sexual psicológica. S & M refere-se aos comportamentos sexuais que incluem imposição e/ou recepção de dor física ou psicológica. A sujeição sexual faz parte integrante da Bondage and Discipline. A disciplina significa neste quadro limitações psicológicas, tais como controle, tratamento e punição não-física. Os indivíduos podem controlar os parceiros, ordenando-lhes a realização ou não de determinados comportamentos sexuais, ou podem pedir-lhes para realizar comportamentos não-sexuais erotizados. Tais comportamentos podem incluir "corridas errantes", limpar a casa ou vestir de uma maneira especial. A recompensa ou a punição são dadas em função do modo como estes comportamentos são executados ou desempenhados.
Com o advento do "politicamente correcto", a investigação destes comportamentos sexuais declinou, embora tenham sido realizados alguns estudos com amostras não-clínicas para compreender melhor a B & D, bem como com modelos patologicamente orientados. Scott (1983) relatou que alguns homens apreciadores de sexual bondage recordaram que tinham tido previamente fantasias submissas ou que tinham gozado quando, em crianças, foram capturados ou amarrados no decurso dos jogos "Cowboys and Indians". Porém, outros homens só descobriram o seu lado submisso já no decorrer da vida adulta, obtendo grande gratificação sexual com a realização de tais comportamentos. Alguns destes homens ainda recordavam a primeira excitação submissa que experimentaram quando um amante os amarrou por brincadeira. Heilbreen & Seif (1988) estudaram 54 homens com idade universitária, submetendo-os à visão de gravuras eróticas de mulheres a praticar bondage que exibiam angústia física. Estes homens achavam estas gravuras mais sexualmente estimulantes do que as gravuras onde as mulheres manifestavam afecto positivo. Zillman & Bryant (1986) estudaram homens e mulheres, estudantes e não-estudantes, sujeitos à exposição contínua de pornografia não-violenta disponível no mercado. A pornografia expunha exclusivamente cenas de comportamento heterossexual consentido entre adultos. Os resultados mostraram que havia maior interesse na pornografia que expunha menos frequentemente actividades sexuais, como por exemplo a sexual bondage. Scott (1983) observou que as mulheres que tinham interesse em B & D não relatavam fantasias sexuais precoces, tal como sucedia com os homens. Muitas mulheres foram introduzidas na disciplina sexual durante uma relação emocional e não por considerarem inicialmente esta prática erótica. Das poucas mulheres que descobriram a disciplina sexual por sua própria iniciativa, a maior parte tinha geralmente backgrounds invulgares ou treino em psicologia ou em ciências sociais, que as levaram a ser mais abertas em relação à sexualidade ou a querer compreender melhor as formas invulgares de comportamento sexual.
As fantasias sexuais desempenham um papel nuclear, isto é, estruturante, na sexual bondage, já que os parceiros tendem geralmente a negociar um acordo prévio sobre os cenários de fantasia antes de agirem ou realizarem essas fantasias na prática. Eve & Renslow (1980) estudaram 72 homens e mulheres estudantes, com uma média de idade de 24 anos. 13% destes sujeitos relataram excitação sexual quando fantasiavam em ser amarrados ou limitados de alguma outra forma. Porém, as fantasias nem sempre são realizadas e, como mostrou Scott (983), algumas têm o seu maior efeito de excitação quando não são concretizadas. Winick (1985) estudou a B & D com base em magazines sexualmente explicitas, cujas gravuras exibem relações com papéis de poder desiguais. Os resultados mostraram que os homens eram dominantes em 71% dos casos, e submissos em 29% das situações. Crepault & Couture (1980) estudaram 94 homens que viveram com uma mulher durante pelo menos um ano. O conteúdo das suas fantasias sexuais ocorridas durante a actividade heterossexual centrava-se sobre três temas principais: confirmação do poder sexual, agressividade e fantasias masoquistas. Destes homens, 39% fantasiaram algumas vezes com uma "cena em que amarram uma mulher e a estimulam sexualmente", e 36% fantasiaram frequentemente com uma "cena em que eram amarrados e estimulados sexualmente por uma mulher".
Diversos estudos americanos e europeus demonstraram que os profissionais de colarinho-branco de determinados sectores das "elites do poder" (Janus et al., 1977), portanto, homens que ocupam posições dominantes na sociedade, recorrem regularmente ao serviço de prostitutas para os dominar. Isto significa que estes homens que ocupam posições dominantes na sociedade, tais como políticos ou empresários bem sucedidos, são homens submissos que, devido à dificuldade de encontrar mulheres heterossexuais dominantes (Baumeister, 1988; Weinrich, 1987), recorrem ao negócio emergente denominado «dominatrix»: mulheres dominadoras profissionais («dominatrices») que satisfazem as necessidades sexuais de homens submissos-receptivos, supostamente não-homossexuais (Scott, 1983). Quer sejam prostitutas ou não, estas mulheres dominadoras podem atar ou acorrentar os seus clientes de colarinho-branco, dar-lhes palmadas ou chicotadas, açoitá-los, dominá-los e humilhá-los. Muitas destas práticas são suficientes para satisfazer as necessidades dos seus clientes, que também podem masturbar-se durante a sessão de submissão ou de sujeição sexual. Baumeister (1988) interpretou este desejo de desempenhar um papel submisso-receptor na sexual bondage como um sinal de masoquismo, portanto, como um desejo de eliminar a liberdade de acção e a iniciativa, que, nalguns casos observados por mim, aponta no sentido da auto-destruição ou da auto-mutilação corporal (De Sousa, 2006). Assim, o indivíduo que pratica a submissão sexual é aliviado ou liberto da iniciativa, da escolha e da responsabilidade por actos sexuais que, de outro modo, poderiam gerar conflito interno. A submissão sexual constitui uma espécie de fuga ou escape de elevados níveis de consciência do self: a sua prática evita que tome a decisão e assuma a responsabilidade pelos actos praticados. Ao ser amarrado ou limitado, o self promove nível baixo de auto-consciência imediata e concentra a atenção sobre o desamparo e a vulnerabilidade.
Porém, os indivíduos que apreciam sexual bondage raramente se envolvem em episódios de coerção sexual. Este comportamento está intimamente relacionado com o narcisismo (Bushman et al., 2003; Baumeister et al., 2002). Os narcisistas acreditam cegamente nos mitos convencionais da violação, vêem as vítimas como culpadas e sentem menos empatia pelos outros. Além disso, são muito favoráveis aos filmes com cenas de descrição de violações e, na realidade, reagem muito negativamente à rejeição das mulheres. Por isso, como não aceitam facilmente que as parceiras recusem os seus avanços sexuais, podem recorrer à força para fazer sexo não-consentido. Malamuth (1996) falou mesmo de uma síndrome de masculinidade hostil, caracterizada por um forte desejo de controlar as mulheres e por uma atitude insegura mas hostil em relação a elas. Esta síndrome combina-se com a preferência por sexo anónimo ou impessoal e a agressão sexual (De Sousa, 1998, 2006, 2007).
Alguns Dados Portugueses. A minha pesquisa mostrou claramente que as práticas de sexual bondage são muito frequentes entre os portugueses e que um número significativo de homens portugueses prefere o papel submisso-receptor, mesmo que não sejam homossexuais. Muitos desses homens ocupam efectivamente posições de relevo na sociedade portuguesa. Contudo, no que se refere aos homens homossexuais e bissexuais, convém frisar que, neste grupo, um número significativo desses homens prefere o papel dominador e executa actos muito hipermasculinos, tais como rimming, dildo, cookbinding, watersports, enema, fistfucking, scatologia e catheter. Com raras excepções, além das profissionais do sexo, as mulheres portuguesas participam pouco nas práticas de sexual bondage e, quando o fazem, são submissas. A escassez de mulheres justifica em parte a ocorrência de sessões de sadomasoquismo ou de disciplina sexual mistas, envolvendo os dois sexos e as diversas orientações sexuais. De um modo geral, os homens portugueses referem o sadomasoquismo, o exibicionismo, o voyeurismo, o fetichismo, os
piercings íntimos e tattoos como práticas associadas à B & D. Os homens auto-intitulados bissexuais, sobretudo os que são casados com mulheres, quase todos pais, envolvem-se facilmente nestas práticas sexuais, num ritmo quase diário, desempenhando frequentemente o papel submisso e de receptores anais. Os homens portugueses que praticam sexual bondage experimentam elevado prazer sexual intensificado, em comparação com o comportamento sexual convencional, chamado na sua linguagem "vanilla sex".
Estes resultados são congruentes, em termos genéricos, com os resultados do estudo mediado por computador realizado por Ernulf & Innala (1995), onde foram analisadas 514 mensagens, provenientes dos USA, Austrália, Canadá, Finlândia, Alemanha, Japão, Holanda, Noruega, Suécia e Reino Unido, com o objectivo de compreender melhor as experiências dos indivíduos, homens e mulheres, que praticam sexual bondage. 72% das mensagens foram escritas por homens, 24% por mulheres e 4% não referiam o sexo. Nas mensagens masculinas, 81% declararam ser heterossexuais, 18% homossexuais e 1% bissexuais. Nas mensagens femininas, 87% eram heterossexuais, 10% lésbicas e 3% bissexuais. Em 33% das mensagens, os participantes referiram o sadomasoquismo, e apenas 7 mencionaram o exibicionismo, a zoofilia, o voyeurismo, o fetichismo pelo pé e piercing. Neste estudo, somente 4 mulheres heterossexuais disseram preferir o papel dominador-iniciador, e 16 homens heterossexuais preferiam o papel submisso-receptor. Isto significa que os homens heterossexuais que preferem o papel submisso têm dificuldade em descobrir mulheres heterossexuais que desejam ser dominantes. Nas mensagens, 89% das mulheres heterossexuais preferiam o papel submisso-receptor, enquanto a maioria dos homens heterossexuais preferiam o papel dominador. Isto indica boa compatibilidade entre os sexos e, segundo os meus estudos, esta compatibilidade sexual estende-se também aos universos homossexuais, embora no estudo de Ernulf & Innala (1995) apenas 1 homem homossexual preferisse o papel dominador. Neste aspecto, não há congruência entre os dois estudos. Em Portugal, não tenho verificado uma desproporção entre o número de homens homossexuais que preferem o papel submisso e o papel dominante. Nalgumas situações pontuais, verifica-se um excesso de dominadores em relação aos submissos, sobretudo nas sessões de sadomasoquismo cujos participantes são recrutados via Internet. A versatilidade de papéis é desejável na comunidade gay e pode assentar na diferença entre os papéis que os homens gay preferem e os papéis que podem desempenhar. Outra discrepância entre estes dois estudos diz respeito aos papéis desempenhados pelos homens heterossexuais. Muitos homens heterossexuais portugueses preferem efectivamente desempenhar o papel submisso, executando ordens sexuais muito pouco congruentes com a sua orientação sexual. E o número daqueles que dizem preferir praticar o coito anal nas suas relações heterossexuais cresce cada vez mais.
Estes resultados exigem a problematização da heterossexualidade masculina, levando-nos a colocar a questão: O que é efectivamente um macho heterossexual? O heterosexismo dominante e a sua noção de masculinidade hegemónica (J.W. Connell & J.W. Hesserschmidt, 2005) iludem esta questão, apresentando a heterossexualidade como orientação sexual normal. Porém, quando observamos os homens heterossexuais em acção, detectamos rapidamente que aquilo que fazem não corresponde à imagem social do homem heterossexual. Não só não sabemos explicar a heterossexualidade como também somos forçados a constatar que algo errado se passa actualmente com a heterossexualidade masculina. Na minha amostra interactiva, mediada por computador (De Sousa, 2002, 2006, 2007), um número significativo de homens auto-intitulados heterossexuais, alguns casados, outros solteiros, nacionais e estrangeiros, que são "meus escravos sexuais", tanto no "perfil masculino", como no "perfil feminino", independentemente da orientação sexual simulada, obedece prontamente e pratica "auto-felação" ou penetra dildos ou dedos ou outro objecto qualquer no ânus, entre outras actividades. As sexualidades de género masculino são muito mais rígidas do que as sexualidades femininas de género (Baumeister, 2000; Diamond, 2000, 2004; De Sousa, 2006). Porém, verifica-se no momento presente que os homens heterossexuais estão cada vez mais plásticos em termos de prazeres e actividades sexuais realizadas, praticando frequentemente actividades sexualmente atípicas. Esta aparente plasticidade erótica da sexualidade masculina merece atenção, porque põe em causa aparentemente os estudos biológicos da orientação sexual. (Existem factores biologicamente activos que podem explicar este fenómeno.)
Nota: Este post foi editado originariamente aqui. O desenvolvimento deste ciberestudo encontra-se aqui, aqui ou, de modo integrado, aqui.
J Francisco Saraiva de Sousa

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